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Atualizado em 4 DE maio DE 2013 ás 18:57

Juliano Moreira e o racismo científico

O baiano de Salvador Juliano Moreira (1873-1933) é tido como fundador da disciplina psiquiátrica no Brasil. Sua biografia justifica tal escolha: mestiço, de família pobre, ingressou na Faculdade de Medicina precocemente aos 13 anos, formando-se aos 18 em 1891, com a tese "Sífilis maligna precoce".

POR CLÁUDIO ANTÔNIO DE FREITAS BANDEIRA*

A Faculdade de Medicina da Bahia foi um celeiro de mentes criativas que mudaram o cenário da pesquisa cientifica de seu tempo. Baiano de Salvador, Juliano Moreira (1873-1933), baiano de Salvador, é tido como fundador da disciplina psiquiátrica no Brasil. Sua biografia justifica tal escolha: mestiço, de família pobre, ingressou na Faculdade de Medicina precocemente aos 13 anos, formando-se aos 18 em 1891, com a tese “Sífilis maligna precoce”. Aos 23 anos torna-se professor substituto da seção de doenças nervosas e mentais da faculdade. Passou a realizar cursos sobre doenças mentais e visitou muitos asilos na Europa (Alemanha, Inglaterra, França, Itália e Escócia).

Transfere-se para o Rio de Janeiro em 1903 onde vive até 1930. Assume a direção do Hospício Nacional de Alienados onde recebe alunos internos para o ensino da psiquiatria, embora não fosse professor da Faculdade de Medicina do Rio. Em função disso reúne a sua volta nomes que se tornariam os fundadores na medicina brasileira de várias especialidades como a neurologia, psiquiatria, clínica médica, patologia clínica, anatomia patológica, pediatria e medicina legal, a exemplo de Afrânio Peixoto, Antonio Austragésilo, Franco da Rocha, Ulisses Viana, Henrique Roxo, Fernandes Figueira, Miguel Pereira, Gustavo Riedel e Heitor Carrilho, para citar alguns.

Em seus trabalhos acadêmicos posiciona-se fortemente contra a crença de que a degeneração do povo brasileiro se deva a mestiçagem, especialmente a uma suposta contribuição negativa dos negros na miscigenação. As ideias de Moreira eram minoritária entre os médicos no início do século 20, em particular a outro integrante da Faculdade de Medicina, Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), com quem manteve várias polêmicas. Moreira também rechaçou a crença de que existiam doenças mentais próprias dos climas tropicais.

Moreira defendia que para combater as degenerações nervosas e mentais, os inimigos seriam o alcoolismo, a sífilis, as verminoses, as condições sanitárias e educacionais adversas, enfim; o trabalho de higienização mental dos povos, disse ele, não deveria ser afetado por “ridículos preconceitos de cores ou castas (…)”.

Quando foi aprovado em concurso para professor na Faculdade de Medicina da Bahia em maio de 1896, Moreira fez um discurso elegante e contundente sobre sua experiência pessoal com o preconceito de cor na sociedade brasileira de então. Dirigiu sua fala “(…) a quem se arreceie de que a pigmentação seja nuvem capaz de marear o brilho desta faculdade (…)”. Em outro trecho afirmava: “Subir sem outro bordão que não seja a abnegação ao trabalho, eis o que há de mais escabroso. (…) Em dias de mais luz e hombridade o embaçamento externo deixará de vir à linha de conta. Ver-se-á, então que só o vício, a subserviência e a ignorância são que tisnam a pasta humana quando a ela se misturam (…). A incúria e o desmazelo que petrificam (…) dão àquela massa humana aquele outro negror (…)”.

Por dominar o alemão, enveredou-se pela psicanálise. Leu as obras de Freud e procedeu a uma avaliação crítica delas. Durante toda a sua trajetória, participou de congressos médicos e representou o Brasil no exterior, na Europa e no Japão. Moreira integrou o grupo que acreditava que a medicina brasileira seria capaz de direcionar o processo de modernização e sanitarização do país. Não diferente dos demais, acreditava que “a psiquiatria estava na profilaxia, na promoção da higiene mental e da eugenia.” Em que pese o caráter francamente intervencionista deste projeto médico, não se pode negar o brilhantismo, a coragem e a originalidade deste fundador da psiquiatria brasileira.

Oscar Freire: hoje rua de luxo – Hoje mais conhecido por ter dado nome a uma  rua nos Jardins, em São Paulo, a famosa Rua Oscar Freire, atualmente classificada como a oitava mais luxuosa do planeta,  Oscar Freire de Carvalho se notabilizou por assuntos menos prosaicos. Nasceu em Salvador no dia 3 de outubro de 1882 e faleceu em São Paulo, 11 de janeiro de 1923. Formou-se na Faculdade de Medicina da Bahia, sendo discípulo de Nina Rodrigues, de quem herdou o interesse pela Medicina Legal. Com a estruturação do curso de medicina da recém-criada Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, em 1913, foi convidado pelo professor Arnaldo Vieira de Carvalho a reger a cátedra de Medicina Legal.

Com o lançamento da pedra fundamental do prédio próprio da faculdade, primeira edificação do projeto previsto de sete prédios, a construção do prédio situado a Rua Teodoro Sampaio abrigou inicialmente a cátedra de Anatomia (regida pelo professor Alfonso Bovero), e, após o falecimento precoce do mestre da Medicina Legal, passou a abrigar a cadeira de Medicina Legal, recebendo, em sua homenagem, seu nome.

Descobridor brasileiro do mecanismo de herança da anemia falciforme – O professor Jessé Accioly (com dois “c’s” como preferia assinar) nasceu na cidade de Porto Calvo do Estado de Alagoas, em 21 de setembro de 1921, filho do professor Aristeu Acioly Correia Lins e de Julieta Santiago Acioly Lins. Concluiu o curso secundário no Instituto Bahiano de Ensino. Seu pai foi inspetor federal no Estado da Bahia e atestou o diploma de secundarista do filho, subscrevendo o documento oficial como sendo Aristeu Accioly. Isso reforça a hipótese, segundo o professor Tavares-Neto que a preferência por Accioly, em lugar de Acioly, tenha forte razão familiar. Em 1941, Jessé Accioly concluiu o curso complementar no Colégio da Bahia (“Central”), atual Colégio Estadual da Bahia.

Prestou concurso para habilitar-se ao curso de Medicina da FMB em fevereiro de 1942; e em março de 1942 fez a matrícula no 1° ano do curso médico. Forma-se em medicina no dia 13 de dezembro de 1947 aos 26 anos, na 131ª Turma da Faculdade de Medicina – FMB. Já como professor da faculdade, Jessé Accioly, na Livre Docente em Clínica Propedêutica Médica, segundo depoimento do professor Tavares-Neto, brilhante professor de Semiologia, e Clínico reconhecido pelos seus pares no Hospital das Clínicas, onde por quase um quarto de século ensinou a arte da história e do exame clínico e com alunos ávidos pelos seus brilhantes.

Foi para a Espanha no início dos anos 60 do século passado onde se especializou em Psiquiatria e, a partir daí, migrou progressivamente para essa nova especialidade. Nos anos 70 introduziu em Salvador a Análise Transacional, após curso em Buenos Aires. Foi igualmente brilhante Psicanalista e fundador da Associação Baiana de Análise Transacional (ASBAT).

De vasta cultura humanística, apreciava as artes plásticas, como pintor, apreciador dos bons vinhos e da boa comida baiana, segundo depoimentos verbais de alguns dos seus amigos. Exemplo desse seu amplo interesse foi exposição de quadros “Os caminhos da Abstração”, inaugurada em 17 de Maio de 1979 na Teresa Galeria de Arte (segundo convite dessa exposição, de propriedade de amigo que prefere o anonimato).

No entanto, como relata Tavares-Neto, o mais surpreendente de suas realizações foi a descoberta pelo ainda aluno Jessé Accioly, em 1946, quando cursava o 5° ano de Medicina na FMB, do mecanismo da herança da anemia falciforme, publicado no ano seguinte nos Arquivos da Faculdade de Medicina da Bahia, também conhecida de Tertúlias Acadêmicas. “Foi uma grande feito do então acadêmico de medicina Jessé Accioly, também pela elegância científica”, avalia a professora. Eliane Azevêdo, ex-reitora da UFBA, em artigo na Gazeta Médica da Bahia (2008). Em 2010, se comemorou os 100 anos da descoberta da anemia falciforme pelo professor James B. Herrick, também se festejou os 53 anos da descoberta do mecanismo de herança da anemia falciforme por Jessé Accioly que faleceu em Salvador no dia 24 de Julho de 1996, aos 75 anos incompletos.

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*Cláudio Antônio de Freitas Bandeira é jornalista especializado em Jornalismo Cientifico e Tecnológico

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