A primeira mulher a ocupar a presidência do Brasil, Dilma Rousseff, modificou uma estrutura, articulada para funcionar sem participação significativa de mulheres, quais historicamente sempre foram sub-representadas
POR THAINARA OLIVEIRA*
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Pela primeira vez, em 121 anos, desde que o país se tornou uma república a economista, Dilma Vana Rousseff, se tornou a primeira mulher a ocupar a presidência do Brasil, após vencer as eleições em 2011, com 56,05 % dos votos válidos. Durante seu segundo mandato, iniciado em 2015, o cenário político tenso e uma perceptível crise do governo, ocasionou no (golpe/ impeachment) em 2016, acusada pelo crime de “pedaladas fiscais”.
Partindo desse contexto, a doutoranda do Programa Multidisciplinar de Pós-graduação Graduação em Cultura e Sociedade (Pós-Cultura), do Instituto de Humanidades, Artes e Ciência Professor Milton Santos (IHAC/UFBA), Fernanda Argolo Dantas, percebeu a importância de pesquisar e construir sua tese com foco na observação de como a categoria de análise de gênero determinou as narrativas da mídia sobre o desempenho da presidenta no seu segundo mandato.
No último dia 26/04 (sexta-feira), ocorreu a defesa da tese Dilma Rousseff: uma mulher fora de lugar, na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (FACOM / UFBA). A banca foi composta pela orientadora Linda Rubim e pelos professores Albino Rubim (UFBA), Clara Araújo (UERJ), Nanci Vieira (UFBA) e Rita Aragão (UFBA). Iniciado em 2014, após a defesa de um mestrado sobre a trajetória da Dilma inserida em um contexto das presidentas da América do Sul, Fernanda Argolo, que trabalha como assessora em Brasília, percebeu que em diferentes contextos mundiais, as líderes femininas possuiam uma descrição similar nos meios de comunicação e queria entender se gênero era uma das componentes dentro desse processo midiático de caracterizar uma gestão.
A tese teve como recorte o segundo mandato da presidenta e foi dividida em 5 tópicos: Mulheres no campo político – desafios da inclusão; Mídia, democracia e gênero; Definições metodológicas; Referencial teórico e Considerações Finais. A defensora do trabalho deixou claro que o estudo não se aprofundou em discutir questões econômicas, desestabilização político partidário, Operação Lava Jato e nem Impeachment que, mesmo sendo adotado no título como golpe, ao ser citado ao longo da dissertação, apresentou o nome aceito pelos juristas brasileiros para permanecer o mais científico possível com suas fontes.
Para observar de várias frentes o objeto, foi adotado como ferramenta o critério de enquadramento, sendo analisado 130 capas e 186 reportagens das quatro revistas de maior tiragem e circulação do Brasil: IstoÉ, Veja, Época e Carta Capital.
A escolha de revistas como corpus de pesquisa foi argumentado pela razão do tempo maior de apuração das reportagens, conteúdo visual, relação de fidelidade/credibilidade do leitor e por apresentarem pautas semanais.
Segundo defendeu a tese, a percepção do tratamento recebido pela Dilma Rousseff norteou o caráter de criador e criatura diante da sua relação com o Luiz Inácio Lula da Silva. Com o discurso de que o Lula seria o responsável por ela, como um pai, com o argumento de que ela só foi eleita por conta dele e, em seguida, a posição dele como um dos culpados da crise por deixá-la. Além de alegar que seus mandatos arruinaram o legado da figura mais popular do Partido dos Trabalhadores (PT).
O mérito pela sua posição não fazia referência a sua trajetória anterior e foi notável como a carreira feminina na política está atrelada a como a mídia trata a mulher, ao citar suas roupas, o marido, a família, um padrinho político e isso em todos os continentes. A representação simbólica é afetada pela relação de gênero, sendo retratada como difícil, dura, fria, caracterizada com uma postura de servidora pública ou executiva, que em alguns momentos pareceu positivo e em outros não, nas publicações.
Nas edições, o discurso mansplaining, tão discutido no feminismo é recorrente no meio político ao silenciar as parlamentares que não aparecem como fonte, além de citar homens como solução para os problemas do governo. A presidenta era comparada com a rainha da Inglaterra, vista apenas uma figura simbólica e o discurso de que o país era governado por Lula, Michel Temer, Renan Calheiros e outras figuras masculinas.
“As vozes femininas na política não tem poder para estar ali, são tidas como ‘café com leite’ do jogo político, falam muito da solidão da mulher, da Dilma, da Carmen Lúcia. O Temer não, ele tem família, uma esposa linda e a maioria das reportagens sexistas vinham de mulheres”, afirma Fernanda Argolo ao citar o teor do material jornalístico que demonstra o incômodo da cultura brasileira com o jeito da Dilma. “Viemos de uma cultura de Senhor de Engenho, o enfrentamento que ela fez foi enorme. Porque lidar com pessoas como o Lobão e Sarney, que estão na política a muito tempo, foi algo que incomodou muita gente”, acrescenta.
A jornalista diz que o espaço político retira a liderança das mulheres e se faz necessário mudar a representação descritiva do exercício de poder feminino. Um dos seus maiores incômodos ao pesquisar referenciais teóricos foi perceber que não existe a ideia do que é uma mulher líder. “Figuras femininas que ocupam esses cargos na maioria das vezes adotam uma postura que faz referência ao que se entende como ‘alguém de poder’ do imaginário masculino, uma postura dura, arrogante, fria, antipática, com emoções reprimidas e é preciso modificar essa estrutura. Falavam muito que a Dilma não sabia fazer política e o que é saber fazer política? se articular como homem?”, continua com indignação.
“Estamos em um momento delicado, onde a ciência, as indicações de verdade estão se desmanchando. Se tudo é questão de interpretação é preciso se apoiar nos dados. O trabalho mostra como a ideologia de gênero trabalha”, defendeu a socióloga é professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Clara Araújo.
Um dos pontos ressaltados pelo professor de Estudos em Comunicação e Política da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Albino Rubim, as mídias brasileiras têm uma posição clara, neoliberal. E o que se faz atualmente em revistas e jornais não pode ser chamado de jornalismo, porque não existe compromisso com a realidade. “É importante refletir que isso não entra apenas na questão de gênero mas, não se sustenta ter tantos fatos jornalísticos para explicar essa quantidade de capas. Emiliano José diz que temos um jornalismo de campanha e acredito que isso se adequa até ao Brasil”, discorre o professor que ainda pontua: “O golpe sempre foi acionado no Brasil pela direita alegando a perspectiva da corrupção para derrubar representantes dissonantes com a elite brasileira”.
A deputada Estadual Olívia Santana, em entrevista exclusiva à equipe da Agência de Notícias Ciência e Cultura, relatou que o tema da mulher no espaço político institucional eleitoral precisa ser mais explorado e discutido. Sendo necessário, dessa forma, estudar mais, colocar mais material disponível a serviço de mulheres que ousam arriscar disputar poder, porque é preciso estar munida e preparada para sofrer muito com os estereótipos de gênero que são aguçados e o questionamento a todo tempo sobre sua capacidade, vista a todo tempo como alguém que está fora do lugar, a ideia de que o poder não é para as mulheres e menos ainda para as mulheres negras.
”É um enfrentamento totalmente necessário para ser feito e é preciso desnudar essa narrativa que é feita sobre a incompetência das mulheres, sobre a não possibilidade delas exercerem poder, essa ideia de que tomar uma decisão rápida, comandar uma equipe, uma cidade, um estado, um país como foi a presidenta Dilma – mulher que chegou mais longe”, afirma Olívia Santana.
“Ainda que estejamos no século XXI , nós ainda temos que lidar com situações do século XIX. Nós que estamos lá no fogo da batalha na Assembléia Legislativa, na Câmara dos Deputados ou exercendo um cargo no executivo, estamos aprendendo, fazendo e tentando lidar com essa carga que vem contra você mulher”, conta a deputada, argumentando que é muito importante existir essa substância reflexiva de um olhar distanciado que muitas vezes quem está ali não percebe.
*Estudante do curso de jornalismo da Faculdade de Comunicação e repórter da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA