A neutralidade da Rede como uma forma de garantia da criatividade e da liberdade de expressão é a luta de estudiosos que acompanham o andamento do Marco Civil da Internet no Brasil.
POR NÁDIA CONCEIÇÃO*
nadconceicao@gmail.com
O Marco Civil da internet no Brasil e o Jornalismo do século XXI foram os temas do debate realizado na manhã desta quinta-feira (13/12) pela Associação Bahiana de Imprensa (ABI), na sede da associação, no Centro Histórico de Salvador. O objetivo do encontro foi esclarecer aos profissionais da comunicação o andamento e as principais questões do Marco Civil da Internet no Brasil, lançado pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça em parceria com o Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, em 2009.
Para tratar do tema estiveram presentes o representante do Comitê Gestor da Internet no Brasil, o professor Sérgio Amadeu, que apresentou os princípios gerais da internet e as novas garantias à liberdade de expressão; o professor da Faculdade de Educação da UFBA, Nelson Pretto, que falou dos impactos nas possibilidades de distribuição e acesso aos conteúdos; e o editor do site Convergência Digital, Luis Queiroz, que tratou da distribuição e produção de conteúdos e as novas possibilidades para o jornalismo. O debate foi coordenado pelo editor do portal Terra Magazine e comentarista da TV Gazeta, Bob Fernandes.
Sérgio Amadeu falou sobre a questão da neutralidade da rede e as lógicas da liberdade e da permissão. O professor defende que a regulamentação da internet no Brasil deve ser feita em discussão com a sociedade, pois pensar em regras para o uso da internet pode ser perigoso para a livre comunicação. “Com a regulamentação, podemos correr o risco de colocar a internet no mesmo patamar dos meios de comunicação de massa, onde a diversidade opinativa não está garantida e ainda conta com o comando de grupos restritos. Na internet há uma inversão do ecossistema da comunicação. Aqui há dificuldade é ser ouvido, pois todos falam. Com a internet está mantida a possibilidade de comunicação com liberdade, que pode ser restringida pela regulamentação”, afirma Amadeu.
Um dos principais argumentos sustentados pelos palestrantes foi a questão da manutenção da neutralidade da rede, com a implementação do Marco Civil da Internet, o que implica que quem controla a infraestrutura de telecomunicação não pode controlar os conteúdos veiculados da rede, justamente o que ocorre hoje. Segundo dados apresentados, o oligopólio da telecomunicação no mundo é feito por 12 grupos, que podem controlar a produção de conteúdos de forma mais severa com uma possível regulamentação da rede.
“A quebra da neutralidade vai dar um poder descomunal às operadoras de Telecom. Elas vão interferir no que as pessoas fazem na internet, o que é ruim, pois a criatividade e a inventividade serão diretamente afetadas”, denuncia Sérgio Amadeu que afirma, ainda, que o objetivo maior dessas empresas é manter o modelo baseado na cobrança por aplicação e por conexão, ou seja, a busca por mais lucros. “Eles querem na verdade é pedagiar o caminho na internet, o que é um risco em como a forma que a internet funciona hoje em dia”.
Para o professor Nelson Pretto, o que também está em jogo com a aprovação do Marco Civil são as ações colaborativas, principal característica do nascimento da internet e a liberdade de trafegar sem se importar com o caminho. “O mais importante da internet é que existe e, funciona muito bem, a conexão do diferente. Na rede, não houve a preocupação de transformar todos em iguais; há a valorização do diferente, contando com uma produção exacerbada de notícias e informações. Temos que ter a clareza de que não existe educação, desenvolvimento científico e tecnológico sem um acesso a internet plena, livre”.
Luis Queiroz acredita que o impasse na aprovação do Marco Civil da Internet ocorre por conta dos “tubarões” da radiodifusão e da telecomunicação, que ainda não decidiram como serão divididos os lucros com uma possível regulamentação. “Vai ganhar mais quem tem influência e dinheiro, sendo os profissionais da comunicação e os usuários os mais prejudicados na história. A questão é puramente comercial e política. A comercial quer ganhar dinheiro com a rede e controlar o conteúdo e a política busca mandar no país. Nós estamos reféns do não conhecimento dos parlamentares e dos tubarões.”
A grande preocupação dos especialistas é de todos conhecerem mais profundamente o Marco Civil da Internet do Brasil, pois ainda existem questões que não entraram em pauta, caso realmente haja uma regulamentação da internet, por exemplo, a questão autoral, a ética e a privacidade dos dados do usuário. Essas e outras questões podem ser acompanhadas no site do Intervozes, doIDEC e do Convergência Digital.
O Marco Civil da Internet do Brasil
A ideia do Marco Civil surgiu a partir da concepção do professor Ronaldo Lemos, expressa em artigo publicado em maio de 2007.Inicialmente, o documento foi construído de forma colaborativa. Um grupo de especialistas propôs os eixos de discussão, abrangendo as condições de uso da Internet em relação aos direitos e deveres de seus usuários, prestadores de serviços e provedores de conexão, e também o papel do Poder Público com relação à Internet. Durante a primeira fase dos debates, entre 29 de outubro e 17 de dezembro de 2009, foram mais de 800 contribuições, entre comentários, e-mails e referências propositivas em sites.
A partir desse debate foi formulada a minuta do anteprojeto que voltou a ser debatida, numa segunda fase. Os debates públicos dessa fase foram iniciados em 8 de Abril e encerrados em 30 de maio de 2010, no mesmo portal. Após mais de um ano, em 2011, o projeto de lei foi encaminhado à Câmara, recebido sob o número 2126/2011. O Marco Civil foi descrito pelo então Ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, como “A Constituição da Internet”.
Na última quarta-feira (12), o projeto de lei 2.126/2011 teve a votação adiada pela sétima vez na Câmara dos Deputados por decisão de líderes dos partidos. A matéria certamente será votada em 2013, antes de ir para votação no Senado e ser sancionado pela Presidência da República.
*Nádia Conceição é jornalista, estudante de produção cultural da UFBA e bolsista da Agência Ciência e Cultura.