Aterro foi construído numa Área de Preservação Permanente (APP) da cidade de Catu, a 78 km de Salvador. A área tem grande importância ecológica devido a sua função de preservar os recursos hídricos e a biodiversidade.
POR JOSEMARY NUNES*
Lixo depositado a céu aberto, animais e insetos fazem parte do cenário que adultos e crianças coletam material reciclável para o seu sustento. A descrição é de um lixão, porém o local é um aterro sanitário, instalado em 1998 para atender às necessidades do município de Catu, cidade baiana localizada a 78 km de Salvador. Deveria receber apenas depósitos de lixos sólidos urbanos, provenientes das residências e da varrição de ruas. A realidade, porém, é bem diferente, com o depósito de lixo não doméstico e a presença frequente de famílias de catadores, que correm riscos de saúde para poder sobreviver.
A presença de lixos não-urbanos compromete a vida útil do aterro e pode aumentar os poluentes ambientais, uma vez que o aterro não foi projetado para receber lixo de origem industrial, de construção ou hospitalar, os quais podem ter em sua composição resíduos considerados perigosos, com características inflamáveis, corrosivas, tóxicas, patogênicas ou reativas, colocando em risco o ecossistema local. Estes resíduos necessitam de tratamento de descarte específico.
A explicação é de Joana Paixão, doutora em Geologia e Mestre em Ecologia, pesquisadora do Instituto Federal Baiano (Ifbaiano). Segundo ela, o aterro sanitário se constitui como o aterramento do lixo por meio de células de impermeabilização que devem ser fechadas diariamente evitando que ele fique exposto. “O recobrimento diário dos resíduos é uma prática adotada para reduzir a proliferação de vetores e diminuir o impacto visual”, acrescenta.
Irregularidades – Construído pelo Programa Pró-Saneamento e desenvolvido pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) em parceria com a Caixa Econômica Federal, o aterro custou aos cofres públicos R$ 1.067.557,00. Sua instalação, no entanto, possui graves irregularidades que ameaçam seu funcionamento. As autoridades têm conhecimento destes fatos, pois em 2007 o Ministério Público (MPE), por meio do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça do Meio Ambiente (Ceama), realizou uma visita técnica na qual constatou vários problemas no aterro, como o descarte irregular de resíduos e a contaminação do lençol freático, e notificou a prefeitura do município a fim de regularizá-las.
Um agravante é que o aterro foi construído numa Área de Preservação Permanente (APP), de grande importância ecológica devido a sua função de preservar os recursos hídricos e a biodiversidade. Segundo a Coordenadora do Grupo de Resíduos Sólidos da Universidade Federal da Bahia, (UFBA), Viviana Zanta, esta ocupação irregular pode ter consequências graves para o meio ambiente.
“A presença de um lixão em uma APP pode acarretar problemas de saúde ambiental e prejuízos ao meio ambiente. Os resíduos sólidos descartados sem controle sobre o solo ou em cursos d´água podem suprimir a vegetação, alterar a qualidade da água de mananciais, poluir o solo pela emissão de líquidos lixiviados e o ar por emissões gasosas, emissões essas decorrentes da decomposição biológica dos resíduos orgânicos presentes”, observa Zanta.
Além dos problemas ambientais, a ocupação de uma APP é ilegal. De acordo com o Código Florestal Brasileiro lei 4.771/65 (alterada pela Lei Federal nº 7.803/89 e pela medida provisória 1605-10 de 1998) e as resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), aterros instalados em área de APP precisam ser removidos, como orienta o promotor da cidade, Maurício José Fontes.
Uma pesquisa de monitoramento do funcionamento do aterro e do trabalho dos catadores que vem sendo realizada pela pesquisadora do Ifbaiano indica que não há políticas sociais voltadas para os catadores de Catu. Alguns trabalhadores residem no aterro em barracas de lonas e há muitas crianças e adolescentes acompanhando os pais no trabalho. Notório também o uso, pelos catadores, de fardamentos e luvas oriundos de empresas que fazem ilegalmente o descarte destes materiais no aterro. Segundo ela, é responsabilidade das empresas descartarem seu lixo para evitar o uso inadequado destes materiais que podem conter agentes de contaminação. “Não existe nenhuma responsabilização com as pessoas que trabalham lá”, relata Paixão.
O destino do chorume é outro problema apontado pelo relatório do Ceama e pela pesquisa do Ifbaiano. O chorume é um líquido tóxico e ácido resultado da decomposição do lixo orgânico e por isso necessita de uma estrutura que o comporte e trate-o. “O sistema de tratamento de efluentes líquidos de um aterro é importante porque visa coletar e tratar o chorume produzido, reduzindo a concentração de matéria orgânica”, explica a pesquisadora do Ifbaiano. No entanto, apesar de o aterro de Catu possuir esta estrutura, nunca houve manutenção na bacia de captação e não há tratamento destes efluentes líquidos, conforme confirmou por e-mail a técnica ambiental da Divisão de Meio Ambiente da Prefeitura de Catu, Tatiana Francisca dos Santos.
Abandono – O abandono do aterro de Catu por parte das autoridades locais é visível. Na área há intenso consumo de drogas e, segundo relatos de catadores, é um local bastante perigoso. De acordo com depoimentos dos catadores ocorre até mesmo o depósito de restos humanos no aterro. A denúncia foi confirmada pela presidente da Associação Bom Viver, Gicélia dos Santos Matos. “Eles fazem a limpeza das covas e trazem os ossos para cá. Um caminhão aberto é que traz e joga aqui. Todos sabem disso”, afirma a presidente da Associação.
Sobre esta denúncia, a Divisão de Meio Ambiente, órgão vinculado a Secretaria de Infraestrutura, que gerencia o aterro sanitário, não se pronunciou.
*Josemary Nunes é jornalista e especialista em Jornalismo Cientifico e Tecnológico