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Atualizado em 31 DE março DE 2014 ás 18:22

Patrimônio cultural no fundo do mar

A Agência de Notícias Ciência e Cultura acompanhou uma equipe da Universidade Federal de Sergipe para conhecer um pouco mais sobre a área de estudo

VICTÓRIA LIBÓRIO**

A Baía de Todos os Santos foi cenário de vários fatos importantes da história naval e marítima brasileira, entre elas o período do descobrimento, as grandes batalhas, invasões francesas e holandesas e a guerra da independência Bahia. Esses grandes acontecimentos deixaram nas profundezas dessa região, um valioso material histórico, proveniente de restos de embarcações naufragadas, estruturas portuárias, depósitos, entre outros, que despertou o interesse da equipe de pesquisadores do Laboratório de Arqueologia de Ambientes Aquáticos (LAAA), coordenado pelo professor Gilson Rambelli, da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Os motivos do seu afundamento são questionados até hoje, alguns relatam que foi a própria tripulação que o afundou, outros dizem que foi devido a uma tempestade.

A equipe esteve neste mês em Salvador para realizar um treinamento de mergulho em dois sítios arqueológicos localizados na Baía. O Ho-Mei III é um pesqueiro Chinês que explorava ilegalmente as águas brasileiras e afundou na década de 1990. Já o Germânia & Bretagne é formado por destroços de dois navios sobrepostos. O interessante é que estes navios afundaram em épocas diferentes.  O Vapor a Vela alemão Germânia afundou em 1896 ao encalhar nas pedras, nesta ocasião o Farol da Barra estava apagado. O Cargueiro francês Bretagne bateu no Germânia devido a um erro de navegação e afundou em 1903.

Os destroços dos dois navios encontram-se misturados no fundo, com algumas partes ainda definidas.

O arqueólogo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) Ademir Ribeiro Júnior, Mestre em Arqueologia pela Universidade de São Paulo, explicou que o registro arqueológico subaquático é importante e necessária para a conscientização e valorização do patrimônio cultural que se encontra submerso. “Diferentemente do ambiente terrestre, existem materiais que permanecem por mais tempo em ambiente subaquático e assim é possível entender todo o conjunto de relações sociais, econômicas, políticas e simbólicas associadas aos naufrágios”, explica.

Ele também esclareceu que a arqueologia é a ciência que estuda os restos materiais das sociedades, ou seja, toda cultura material que persiste da atividade humana.  Dessa forma, a arqueologia subaquática é um tema da arqueologia que estuda estes elementos que permanecem em ambientes subaquáticos. “A pesquisa subaquática pode revelar o que esses materiais podem nos contar como documento material dessas sociedades”,disse o pesquisador.

Atualmente para a realização de pesquisas arqueológicas em território nacional, são utilizados os critérios estabelecidos pela Convenção da  Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para a Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático. A Convenção da Unesco orienta que se evite retirar de maneira desnecessária o material arqueológico do ambiente submerso, pois se tratando de matéria orgânica, madeira, os custos para a manutenção desses materiais se tornam muito altos e permanentes, já que não existe técnica de conservação definitiva, sendo considerada apenas um método temporário.

O arqueólogo subaquático Luis Felipe Freire, mestre em arqueologia pela UFS, explicou que o manuseio das peças em sítios arqueológicos aquáticos deve ser feito de forma correta, considerando o uso de alguns métodos específicos da arqueologia e das ciências, necessários para que o ecossistema e os objetos permaneçam preservados. Durante o Durante o manuseio e registro das peças são observadas suas características físicas, anatômicas, geológicas, históricas e biológicas.

Segundo ele, caso seja necessária a retirada de material do seu ambiente, existem diversas formas de preservação atribuídas a cada tipo de fragmento. Freire esclarece que “o método mais comum para a conservação de artefatos mais resistentes (garrafas de vidro, louças, potes de cerâmicas) retirados de ambientes marinhos é a dessalinização, que é feita através da osmose, com a retirada do sal por meio de água doce dos cristais de sal presentes no artefato arqueológico, trocando sazonalmente a água em que o artefato está submerso”.

Freire ainda esclarece que as técnicas utilizadas nos sítios arqueológicos subaquáticos são as mesmas do ambiente terrestre, entretanto o ambiente subaquático apresenta maior conservação de matéria orgânica, aumentando as chances de localização de uma amostra adequada para a datação. São utilizadas a dendrocronologia, que determina a idade da madeira a partir da contagem de anéis de crescimento das árvores (quanto mais anéis, mais velha); o radiocarbono 14, método de datação pela quantidade de carbono 14 liberada pela matéria (quanto menor, mais velha); e associação de dados históricos, entre outros.

Atividades de análise de laboratório no município de São Cristóvão - SE

Luis Felipe também defende maior valorização dos artefatos arqueológicos, pois esses são exemplos de cultura material, produzida pela ação humana, intencionalmente ou não. “A identificação dos artefatos arqueológicos varia de acordo com o grupo que a produziu e é através da análise de atributos presentes nesses artefatos que podemos inferir função, origem, conservação, status, etc. Isso quer dizer que um arqueólogo pode afirmar para que servia, de onde veio, se está bem conservado e se havia importância para o grupo que produziu determinado artefato”.

Segundo dados da Marinha do Brasil, a Baía de Todos os Santos tem mais de 230 naufrágios catalogados em inventariamentos feitos pela instituição militar, universidades federais e outras instituições que têm grupos de estudos em arqueologia de ambientes aquáticos. Dentre estes, aproximadamente 30 são explorados pelo turismo.

Arqueologia e Ciência

O pesquisador e estudante de mestrado em Arqueologia pela UFS Daniel Gusmão, realiza sua dissertação buscando investigar a cultura material existente na Baía de Todos os Santos. Ele afirma que o local é um dos mais promissores para a realização de pesquisas marítimas. “O que falta à sociedade é conhecer melhor o que existe no subsolo marinho e saber como tirar proveito dele. Muitas vezes pensam no naufrágio como uma espécie de tesouro, onde as pessoas vão lá saquear, retirar e encontrar ouro. Na verdade o tesouro é o conhecimento que ele pode dar à sociedade”, analisa Gusmão.

Arqueólogos preparam os equipamentos de mergulho para a atividade

Daniel explica que por meio da arqueologia, cientistas têm conseguido desenvolver pesquisas em ambientes até então desconhecidos. Ele defende que é possível conhecer através do que restou dos naufrágios, informações sobre as tradições marinheiras, vida a bordo, técnicas de construção naval e assim desenvolver novas tecnologias para a navegação.

Preservação X Interesses

Na Bahia alguns projetos de arqueologia subaquática foram concluídos e outros estão em fase de execução. A maioria está relacionada à arqueologia de demanda comercial, usualmente chamada de arqueologia preventiva, ou arqueologia de contrato. Essa é uma modalidade voltada a atender à demanda de licenciamento ambiental determinada pela portaria 230/02 do Iphan, que exige um parecer arqueológico sobre todos os impactos que os empreendimentos podem trazer à região.

Segundo o arqueólogo Luis Felipe Freire, todo empreendimento deve passar por uma investigação, justamente para dizer se ele vai impactar, ou não, o patrimônio arqueológico da área. Atualmente ele coordena um trabalho de mapeamento arqueológico no sul da Bahia motivado pela construção da ponte Ilhéus – Pontal.

Freire relata que também participou dos estudos de impacto na Baía de Todos os Santos, durante a construção do centro de lazer náutico Bahia Marina, onde já havia previsto um projeto de expansão do local. “A atividade consistia em diagnóstico, levantamento e resgate arqueológico, coordenado pelos professores Leandro Duran e Paulo Bava de Camargo na etapa de resgate, entre outros na Bahia”.

Verificação dos tubos por onde passam o ar é prioridade antes de sair para o local de mergulho

A lei em vigor 10.166 de 2000 permite a exploração e comercialização do patrimônio inserido em ambiente aquático, tornando-o extremamente vulnerável em relação ao patrimônio arqueológico terrestre. “O que enxergamos atualmente no Brasil, é uma legislação que escancaradamente vende o seu patrimônio e permite que os sítios sejam alvo de pilhagem. O fato da não ratificação da Convenção da Unesco para a Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático caracteriza um governo omisso com a preservação do patrimônio arqueológico submerso”, denuncia Freire.

Porém o pesquisador faz um alerta: “não devemos excluir os esforços empregados nos últimos anos pelo Iphan e pela Marinha do Brasil na mudança da situação no qual foi relegado o patrimônio cultural subaquático”. Para ele, o ideal seria a aprovação do Projeto de Lei 7.566 de 2006, que normativa a proteção ao patrimônio arqueológico submerso, de acordo com à Convenção da Unesco.“No contexto brasileiro, acredito que a melhor forma de preservação é ocorrendo uma mudança efetiva na legislação vigente”, afirma.

O sítio arqueológico da embarcação Ho-Mei III fica a 35 metros de profundidade

Outro problema legal que existe na arqueologia subaquática brasileira é o impasse quanto a responsabilidade do patrimônio. “Apesar de serem sítios subaquáticos, pela lei em vigor, a maior responsável seria a Marinha que deveria ouvir o Iphan, e a Marinha, assim como Iphan, estão tentando mudar esse panorama legal a partir de um projeto de lei que já está no congresso nacional que iria reverter esse caso”, explicou o arqueólogo do Iphan. Dessa forma, o Iphan passaria a ser o maior responsável pelo patrimônio subaquático, agindo em conjunto com a Marinha, que regularia a navegação nessas áreas.

A opinião entre os aqueólogos é unânime: deve haver um plano de conscientização para a sociedade, operadoras de turismo e mergulhadores, com o objetivo de preservar esses espaços, onde as pessoas possam ir, visitar, contemplar e tirar somente fotos.

*Agradecimentos especiais a SharkDive e Laboratório de Arqueologia de Ambientes Aquáticos /UFS.

*As imagens pertencentes a Luis Felipe Freire são de trabalhos realizados anteriormente pelo arqueólogo

**Estudante de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo e estagiária da Agência de Notícias em CT&I

Um comentário a Patrimônio cultural no fundo do mar

  1. Ana Paula Carvalho disse:

    Adorei a matéria! Amo arqueologia subaquática!

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