Parte da programação do Março Lilás, o evento UFBA Pela Vida das Mulheres contou com a exposição de dados que evidenciam como a proibição do aborto afeta principalmente mulheres negras e pobres. Do outro lado, o evento UFBA Pela Vida trouxe debate contra a descriminalização do aborto, com direito a oração e exibição de documentários
POR L.COSTA* ; THAINARA OLIVEIRA* e JEFFERSON HORA*
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Pela Vida das Mulheres foi um grito de alerta demarcado pelo ato político UFBA Pela Vida das Mulheres, realizado como parte da programação do Março Lilás, dedicado ao debate sobre o câncer do colo de útero na universidade. O evento teve como cenário as paredes da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que recebeu cartazes com palavras de ordem pelos direitos reprodutivos das mulheres. O ato também se concentrou na apresentação de relatos de casos de mulheres mortas, que sofreram complicações após abortarem, seja pela ingestão do medicamento Citotec, seja com o uso de agulhas e até com talos de mamona. Entres essas histórias de luto, a de Ingrianne Batista, uma mulher negra, de apenas 30 anos, que realizou um aborto com métodos caseiros e morreu por infecção generalizada. Ingrianne não precisava morrer, precisava ter sua vontade respeitada.
Mais do que um problema de saúde pública, o aborto é um exercício de autonomia. É o que defende a doutora em Saúde Coletiva do Programa Integrado em Gênero e Saúde (MUSA) do Instituto de Saúde Coletiva (ISC / UFBA), Greice Maria de Souza Menezes. A pesquisadora trouxe dados e traçou um panorama que prova: as mulheres que abortam são de vários credos, classes e têm diversas cores, mas as vítimas são, em sua maioria, negras e pobres. “O exercício da autonomia não é matizado apenas pelo gênero. A posição tanto de raça quanto de classe produz tanto alternativas desiguais para as mulheres em relação a própria gravidez, a própria escolha de engravidar e do exercício da sexualidade, quanto também o acesso a seus corpos”, afirma.
“A ilegalidade do aborto obriga as mulheres a realizá-lo clandestinamente de forma insegura”, declara a doutora em Saúde Pública pelo ISC, integrante do MUSA e fundadora do Odara – Instituto da Mulher Negra, Emanuelle Góes. Sua tese Racismo, aborto e atenção à saúde: uma perspectiva interseccional, defendida em 2018, investiga “o efeito do racismo na produção de condições mais desfavoráveis para as mulheres negras, quanto ao contexto da gravidez à busca por cuidados e ao acesso aos serviços de saúde no momento do abortamento”.
Segundo Góes, as reivindicações de legalização do aborto devem partir dos princípios de enfrentamento ao racismo perpetuado na sociedade. Como aponta a Pesquisa Nacional do Aborto (PNA, 2016), a incidência do aborto é maior entre mulheres de menor escolaridade, pardas, pretas e indígenas. A tese traz outras informações ainda: “mulheres pretas e pardas chegam em condições piores de saúde nas clínicas e hospitais; chegam em estado de gravidez mais avançado; alegam demorar para procurar atendimento por medo de serem maltratadas”.
Como sustenta Greice Menezes, a criminalização do aborto causa custos desnecessários ao Sistema Único de Saúde (SUS), ao ser necessário oferecer tratamentos e atendimentos relativos às complicações, que possam vir de procedimentos mal executados, e também influi negativamente no atendimento dado às mulheres que realizaram o aborto. Com medo de denúncias, as mulheres demoram a procurar atendimento em caso de complicações.
De acordo com a PNA, uma em cada cinco mulheres aos 40 anos de idade já realizou um aborto. Mas o código penal brasileiro restringe a legalidade apenas aos casos de estupro, anencefalia e quando há risco à saúde da mãe. O que não impede de utilizar o método. “Essa fusão entre o feminino e o maternal tem sido um dispositivo de controle sob as mulheres. Para nós, o controle da nossa capacidade reprodutiva é algo central na nossa autonomia. Sem esse direito, dificilmente as mulheres poderiam escolher trajetórias alternativas de vida de escolher se quer ter filhos, quantos e quando”, complementa Menezes.
UFBA pela vida – Apesar do movimento feminista ser favorável à legalização do aborto por considerarem que se trata de um problema de saúde pública, por evitar a chance de morte entre as mulheres e lhes garantir o direito de decidirem o que é melhor ou não para suas vidas, há alguns grupos que defendem uma perspectiva oposta. Porém, pelo que apresentam, possuem um objetivo convergente: a defesa da vida. Foi o exposto no evento UFBA pela vida, organizado pelo grupo de estudos Virtute Spiritus e pelo Instituto Santa Hildegarda.
Realizado na última semana, o evento foi iniciado com oração e montaram um stand com camisas, livros e acessórios customizados com frases contra o aborto e imagens cristãs. Na oportunidade, foi exibido o documentário Blood Money, abordando a indústria do aborto com depoimentos de médicos, mulheres, responsáveis por clínicas, pastores e ativistas.
Segundo o documentário, mulheres são induzidas a recorrer ao aborto como única solução e se arrependem depois, mostrando o panorama de clínicas nos Estados Unidos que chegam até a falsificar resultados e o mercado farmacêutico que produz remédios contraceptivos com baixa eficácia. Também foram exibidos os depoimentos de padres falando a respeito de casos de aborto na Argentina. Um segundo vídeo trouxe números de abortos realizado no Brasil.
De acordo com o autor do livro O que você precisa saber sobre aborto e um dos palestrantes, George Mazza, a intenção dele é “lutar em defesa das mulheres que são silenciadas pelos homens”, a afirmação criou um constrangimento e provocou intervenção de uma ouvinte: “Só tem uma mulher aí entre vocês, que só foi chamada por último. Será que ela irá falar?”, protestou uma estudante. Em resposta Mazza provocou: “Sou mulher também, esse é meu lugar de fala. Vocês não dizem que tudo é ideologia de gênero? Eu sou mulher! Sou Georgina e irei falar agora”. “Homens podem sim falar de aborto porque já foram um feto”, apoiou um dos organizadores do evento.
O autor, equivocadamente, faz referência ao tema estudado pela filósofa Djamila Ribeiro em seu livro O que é lugar de fala, onde a intenção é marcar direito de fala do outro, dando importância, também, ao seu lugar social e vivências específicas individuais, que tendem a ser silenciadas dentro da estrutura social.
A estudante do Bacharelado Interdisciplinar em Artes, Manuela Santana, o classificou como machista o evento. “Eu achei um evento machista, onde só tinha umas cinco mulheres aí dentro e a gente. E as que estavam eram brancas e de classe média”.
A psicóloga Manuela Cordeiro, uma das palestrante, apresentou o projeto Sentido de Viver, idealizado após a morte de sua sobrinha com três meses de vida, por conta de um problema no coração é que, em sua visão, mostra que toda vida tem importância é um papel específico na sociedade. Durante sua fala ela associou o aborto nazismo e ao genocídio, adotou o termo raça e reforçou a promessas da religião cristã para o Homem.
A estudante do curso de Letras, Júlia Nunes, contou à nossa equipe que gostaria de ter ficado até abrir as perguntas, mas considerou o evento como um “grande desrespeito”. “Tratar de sexualidade fazendo piada é ridículo, assim como foi a postura dele (George Mazza) de começar a gritar com a menina – não irei entrar no mérito de quem estava certo ou errado – mas, ele como expositor deveria esperar ela falar para depois debater. A discussão é algo válido em um evento, porém só existiu argumentos fúteis, inválidos e provocativos”, considerou a estudante.
Durante o evento, os organizadores arrecadaram fraldas, alimentos e produtos de higiene pessoal para ajudar as gestantes de projeto mantido pelo Instituto Pró-Vida. O grupo realiza encontros para estudos e debates de assuntos conservadores dentro da universidade a cada 15 dias.
Vale ressaltar que, a realização dos eventos, que nos trouxe a marcação de pontos de vistas diferentes e importantes para serem apresentados, comprova o lugar da universidade: de construção de argumentos, por meio de debates e exposição de pontos de vistas, elementos centrais no exercício da democracia no espaço acadêmico.
*Estudantes do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia e repórter na Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA.
*Estudante do curso de Produção Cultural da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia e designer na Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA.