Rotas percorridas por mulheres em situação de violência e atendimento a homens agressores são as temáticas dos estudos desenvolvidos por Jayce Callou e Anderson de Oliveira, respectivamente
EMILE CONCEIÇÃO*
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Os discentes do Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (PPGNEIM), do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (NEIM), produzem dissertações com inúmeras temáticas que envolvem o universo feminino e dentro desse as que possuem maior aderência é a da violência de gênero.
Dois trabalhos produzidos recentemente no programa trazem perspectivas diferenciadas do assunto, são eles Rotas Percorridas por Mulheres em Situação de Violência nos Serviços do Município de Juazeiro/Ba, de autoria de Jayce Layana Lopes Callou, e Atendimento a Homens Autores de Violência contra a Mulher: Lacunas, Desafios e Perspectivas, de Anderson Eduardo Carvalho de Oliveira.
Em sua dissertação, Jayce buscou identificar as vivências das mulheres frente ao fenômeno da violência, investigar as redes relacionais, os serviços buscados por elas no apoio ao enfrentamento dessa situação, caracterizar as rotas que percorreram, conhecendo os principais fatores que impulsionaram e obstacularizaram o processo de busca de ajuda.
A autora justifica a escolha do município de Juazeiro , na Bahia, para a realização da pesquisa devido a sua tradição patriarcalista de dominação masculina e submissão feminina, o que legitima a ocorrência de casos de violência doméstica, que passou a ser considerado um problema de saúde pública.
Além disso, ela diz que a atuação em redes pode ser uma forma inovadora de intervenção. Por que um conjunto de serviços interligados – jurídico, segurança pública, saúde, assistência social, entre outros – é mais eficiente devido a complementaridade dos atendimentos oferecidos às vítimas. Por isso a importância de se investigar as rotas percorridas por essas mulheres, identificar quais desses serviços tem sido realmente efetivos, suas deficiências e pontos positivos.
Callou concluiu ao final da investigação que existem inúmeros tipos de rotas traçadas, o que dificulta a implementação de um serviço unificado que atenda plenamente todas as vítimas de violência. O ideal é que cada mulher crie sua própria rota ideal, de acordo com suas necessidades.
A pesquisadora finaliza dizendo que para se avançar no debate acerca da violência de gênero é importante dar atenção a todos os envolvidos direta e indiretamente nos casos. E defende, também, a continuidade das pesquisas sobre a temática na Bahia, sobretudo no semiárido nordestino, onde há escassez de produções teóricas.
O tratamento destinado aos agressores
Anderson Oliveira inicia sua dissertação afirmando que os homens vivenciam os casos de violência contra mulheres de diversas perspectivas, não só a de agressor, como comumente é mostrado. “Podemos ser o filho devastado por assistir inerte ao sofrimento de sua mãe; o pai que estende a mão ao socorro de sua filha e, indignado, clama por justiça; o ombro amigo que conforta, acalenta; ou, ainda, o estudante, o pesquisador, o ativista político, o cidadão que diz não ao machismo e une sua voz ao coro da luta pelo fim da violência contra a mulher”, diz.
Graduado em direito, o pesquisador direciona sua investigação ao tratamento dispensado aos autores de violência doméstica e familiar, a partir da aplicação do artigo 35, inciso V, da Lei Maria da Penha, que estabelece a criação e promoção de Centros de Educação e Reabilitação para os Agressores.
Mais precisamente ele fez uma análise da experiência do Serviço de Educação e Responsabilização para Homens Autores de Violência de Gênero (SERH), de Nova Iguaçu-RJ, primeiro no Brasil custeado com recursos públicos.
Em entrevista concedida à Agência de Notícias Ciência e Cultura, o autor falou sobre a importância das pesquisas voltadas para os agressores. “A experiência já nos mostrou que insistir somente na vitimização feminina não é o caminho mais viável. É deveras importante que conheçamos o que pensam os homens sobre a violência doméstica contra a mulher, inclusive para se pensar políticas públicas e outras medidas efetivas no enfrentamento dessa demanda social”, explica.
Segundo ele, intervenções voltadas para homens autores de violência doméstica já são empregados em outros países desde a década de 1970, mas quando iniciou sua pesquisa, em 2010, as discussões e implementação dessas ações no Brasil eram ainda iniciais. “Existiam pouquíssimas experiências para serem analisadas e uma resistência considerável de alguns setores dos movimentos feministas e de mulheres com a proposta”, diz.
Anderson informa ainda que os trabalhos educativos com os agressores agora já chegaram a Delegacias de Atendimento à Mulher (DEAM) do sul da Bahia, através de palestras, porém não é o ideal. “Defendo que as intervenções com homens autores de violência doméstica devem acontecer em espaço exclusivo que não seja aquele destinado ao acolhimento das mulheres em situação de violência”.
O autor tem notado que esse tipo de política tem ganhado força, o que tem feito com que o número de trabalhos sobre a temática cresça. “Constatar a evolução desse debate e poder, ainda que de uma forma mínima, contribuir com ele é o que levo de mais importante da pesquisa”, acrescenta.
“É preciso continuar tencionando para que haja um interesse do Poder Público em executar políticas nesse sentido e pensar estratégias para sensibilizar os próprios homens autores a aderir aos espaços que podem possibilitar a desconstrução dessa lógica patriarcal”, finaliza.
* Graduanda do curso de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia e estagiária da Agência de Notícias Ciência e Cultura da Ufba