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Atualizado em 6 DE setembro DE 2013 ás 19:00

Portugueses temiam médicos judeus durante os séculos XIII e XIV

Segundo François Soyer, o medo em relação aos médicos judeus era fomentado a partir da crença de que eles se utilizavam do conhecimento para matar os cristãos.

*POR VICTÓRIA LIBÓRIO

Judeofobia, intenso preconceito contra os judeus, e iatrofobia, medo de ir a médicos, são temas centrais de dois textos analisados pelo professor François Soyer, da Universidade de Adelaide (Austrália). Estes foram temas centrais da sua conferência no segundo dia do “II Simpósio Internacional de Estudos Inquisitoriais: religião e poder”.

Na palestra, Uniting Judeophobia and Iatrophobia: Understanding the Medical Element of the AntiSemitic Conspiracy Theory in the Early Modern Iberian World, Soyer apresentou dois textos propagandísticos do regime nazista. As publicações acusam a existência de fisiologistas judeus que se utilizavam de seu conhecimento medicinal para assassinar, ou erroneamente tratar pacientes cristãos e islâmicos durante o primeiro momento da era moderna na Península Ibérica, entre 1450 e 1750.

Segundo o pesquisador, esses textos fazem parte da Teoria da Conspiração Antissemita, que serviu de base para o ódio aos judeus durante o regime ditatorial de Hitler, além de justificar a tomada dos bens do povo mais rico dentro de uma Alemanha devastada pela alta inflação. As propagandas denunciam de que maneira os judeus se infiltravam nas escolas de medicina da Europa com o propósito de se tronarem médicos de líderes do mundo medieval e moderno para, assim, assassiná-los.

Professor Fraçois Soyer durante coferência que O II Simpósio Internacional de Estudos Inquisitoriais: religião e poder, que se realiza na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, em São Lázaro da Universidade Federal da Bahia (UFBa), entre os dias 3 e 6 de setembro de 2013

Professor Fraçois Soyer em conferência durante o II Simpósio Internacional de Estudos Inquisitoriais: religião e poder, que se realizou entre os dias 3 e 6 de setembro.

“Registros em Portugal indicam que a população portuguesa temia ir aos médicos, que em sua maioria eram judeus, devido à crença de que tais médicos estavam sistematicamente assassinando os pacientes cristãos”, relata. Ainda de acordo com o professor australiano, o crescimento dessas teses deram espaço a um questionamento de extrema importância: “Por que a teoria da conspiração judaica na medicina é tão persistente no mundo ibérico durante os séculos XIII e XIV?”.

Outro questionamento reflete: “Por que essa venenosa e contagiante conspiração se espalha tão comumente na sociedade portuguesa de então? E perdurou até os regimes totalitários?”. A conferência reviu a relação de cumplicidade e confiança entre médico e paciente, poluída pela conspiração e o motivo do medo, desconfiança e ressentimento que estimularam a hostilidade contra os médicos judeus da época.

François Soyer estuda a história da inquisição portuguesa e espanhola e os vários grupos heréticos que foram por eles perseguidos, ainda a história de gêneros e da censura da arte durante essa época. “Minha pesquisa se chama Cultivando o medo e ódio do ‘outro’: o desenvolvimento da sanção oficial do sentimento de antissemitismo e islamofobia na Europa Católica ocidental, entre 1500 e 1800”.

O estudo examina a manipulação deliberada e o cultivo do medo e ódio de judeus e muçulmanos pelos governos seculares e pela Igreja Católica na Europa Ocidental. “Isso foi parte do impulso deliberado para marginalizar as minorias judaicas e muçulmanas, além de construir um senso de coletividade em torno do catolicismo”, explicou.

O professor François é autor do livro “A perseguição aos Judeus e Muçulmanos de Portugal”. A obra tem como base narrativas e fontes documentais em português, espanhol e hebraico descrevendo as circunstâncias que culminaram nos acontecimentos de 1496-7, a cristianização forçada dos judeus e a expulsão dos islâmicos pelo Rei D. Manuel II.

A publicação apresenta uma reconstrução detalhada da perseguição aos judeus. São desafiadas visões amplamente aceitas sobre o impacto da chegada a Portugal dos judeus expulsos de Castela em 1492, a disputa diplomática que levou à conversão forçada dos judeus portugueses em 1497 e as causas da expulsão da minoria muçulmana.

O pesquisador reforça que seu livro aborda o momento em que se encerra a tolerância religiosa. Por esta razão, a circunstância marca uma virada da política oficial que transforma para sempre a cultura desta sociedade para uma cultura exclusivamente cristã. “É, então, através de uma osmose, que combina a escolha infalível desta orientação religiosa com uma intolerância até então estranha à nossa cultura, que nasce no nosso imaginário uma perplexidade e um interesse por esta decisão histórica”.

*Victória Libório é estudante de Jornalismo da Facom-UFBA e estagiária da Agência de Notícias Ciência e Cultura.

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