Gostar ou não de dar presentes está ligado ao estilo de apego formado durante a infância. Pesquisadores investigam a influência da Teoria do Apego de Bowlby na disposição dos indivíduos com a tradição de presentear parceiros românticos
POR ANA GENEROSO*
generoso.a.carolina@gmail.com
Natal, Hanukkah, Kwanzaa, Réveillon. O fim do ano se aproxima e com ele diversas oportunidades, entre datas religiosas e comerciais, para dar e receber presentes. Nessas ocasiões, quem realmente faz a festa é o setor do varejo.
Segundo a Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop), em dezembro de 2017, o Natal movimentou mais de R$ 51 bilhões nas lojas no país. Isso equivale a aproximadamente 16,6 prêmios no valor da Mega Sena da Virada (R$ 306,7 milhões) do mesmo ano.
Por que será que expressamos nosso afeto com brinquedos e bijuterias?
Segundo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, o hábito de dar presentes nada mais é que uma ferramenta social usada para estabelecer e manter relacionamentos estáveis entre grupos ou indivíduos. Ele discorre sobre a prática em sua obra “Ética pós-moderna”, publicada em 1993.
Diferente de uma transação de negócios, que é motivada pelo lucro, a reciprocidade de uma troca de presentes não é imediata, nem sua recompensa pré-calculada. Em outros termos, as pessoas não compram um presente no valor de 30 reais imaginando que os 30 reais lhe serão “retornados” no presente que receberão de volta. No entanto, elas presenteiam esperando algo em troca.
Em “Ética pós-moderna”, Bauman afirma: “A gentileza [praticada] será, eventualmente, retribuída por alguém, de preferência em excesso, e não necessariamente pela mesma pessoa a quem a gentileza foi praticada, nem necessariamente na mesma forma ou contexto”.**
Isto porque a prática de presentear não é episódica, mas sim cíclica. Segundo Bauman, o próprio ritual é definido pela reciprocidade: após aceitar o presente, a pessoa que o recebeu é encarregada com o “dever moral” de retornar o favor em algum momento. Dia dos namorados, Páscoa, Dia dos Pais, Dia das Mães, Natal, aniversários; as situações para presentear possuem datas previsíveis e, em alguns casos, muito aguardadas.
Prazer ou angústia: Em 2010, Hieu P. Nguyen e James M. Munch publicaram a pesquisa: “Dar presentes românticos como tarefa ou prazer: os efeitos da orientação de apego nas percepções sobre dar presentes”. Norteados pela Teoria do Apego de John Bowlby, eles investigaram a influência da infância na relação dos indivíduos com a prática de dar presentes.
A Teoria do Apego postula que o tipo de vínculo afetivo que formamos, enquanto crianças, com nossos cuidadores primários (primary caregivers) determinam nosso comportamento afetivo na vida adulta. Isso implica em como formamos novos vínculos afetivos e como regulamos angústias internas, como ansiedade, raiva, depressão e desapego emocional. Dos padrões de apego propostos por Bowlby, os pesquisadores analisaram três: seguro, ansioso e evitante.
Segundo os estudos de Bowlby, indivíduos criados em lares estáveis por cuidadores abertos e atenciosos se tornam pessoas com apego “seguro”. Elas possuem uma autoestima positiva e, quando adultas, são confiantes e não tem medo de intimidade em seus relacionamentos.
Indivíduos criados em lares instáveis por cuidadores inconstantes podem se tornar pessoas com apego ansioso. Os “ansiosos” são inseguros; eles tem medo de serem abandonados ou negligenciados pelas pessoas mais próximas à eles.
Já o apego “evitante” resulta de lares abusivos ou apáticos. Essas crianças crescem radicalmente independentes; em relacionamentos, elas temem intimidade e compromisso. Por isso, elas se resguardam emocionalmente e investem menos que os demais tipos nas suas relações.
Em sua pesquisa, Nguyen e Munch encontraram que, de fato, em relacionamentos românticos, a disposição dos indivíduos em relação ao ato de presentear varia de acordo com seu estilo de apego.
Pessoas do tipo “seguro” não associam o ato com o sentimento de obrigação. Ao contrário, para eles, um presente pode ser uma maneira perfeita de demonstrar sua afeição dentro do relacionamento. Portanto, para indivíduos de apego “seguro”, comprar e dar presentes é uma prática prazerosa.
Pessoas do tipo “ansioso” associam dar presentes com um forte senso de obrigação. Inseguras, elas temem a possível tensão que resultaria de ignorar a tradição de troca de presentes. Por outro lado, essa mesma insegurança as motiva a participar do ritual. Elas estão sempre procurando formas de reforçar seus laços afetivos e, por isso, sentem prazer em dar e receber presentes; eles as aproximam da pessoa amada e expressam seu carinho.
Já pessoas do tipo “evitante” não gostam de presentear. Elas não sentem vontade de se aproximar de seus parceiros e um presente pode ser mal-interpretado como um sinal de compromisso. Para elas, presentes remetem a angústia e desconforto, motivos pelos quais elas não se sentem obrigadas a participar da troca.
Tem interesse em descobrir qual seu tipo de apego? Então siga esse link e descubra.
** “Kindness will be, eventually, repaid by someone, hopefully in excess, and not necessarily by those persons to whom the kindness was done, nor necessarily in the same form or context”. (Postmodern Ethics, Bauman).
*Estudante do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação e repórter na Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA
Referências:
Bauman, Z. (1993). Postmodern ethics
Youtube: How your childhood affects your relationships – Attachment theory