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Atualizado em 17 DE outubro DE 2012 ás 19:25

Produção de conhecimento também envolve emoção

Guilherme de Oliveira Brockington, doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) utiliza métodos neurocientíficos para investigar quais os mecanismos corporais ativados no momento de aprendizagem e explorar o papel da emoção na construção do conhecimento científico.

GILBERTO RIOS*
gilberto.rios13@gmail.com

O icônico personagem Spock, do seriado Star Trek, já afirmava que as emoções dele “são patéticas”, afinal ele é um cientista. Fora da ficção, não é incomum pensar o cientista como um ser guiado exclusivamente pela razão, característica que o põe num outro patamar em relação às pessoas comuns, meros mortais reféns de suas emoções. Mas não é isso que acredita José Guilherme de Oliveira Brockington, doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). O pesquisador utiliza métodos neurocientíficos para investigar quais os mecanismos corporais ativados no momento de aprendizagem e explorar o papel da emoção na construção do conhecimento científico. Sua apresentação integrou o quadro de participação do Café Científico no segundo dia da ACTA-2012 (16.10), às 15h, no auditório do Pavilhão de Aulas da Federação III da Universidade Federal da Bahia (PAFIII/Ufba).

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“O que acontece no cérebro da gente que faz com que sejamos capazes de compreender física, matemática e ciências em geral?”, indagou o pesquisador ao início de sua apresentação. Brockington – que desmaiou ao ver, pela primeira vez e pessoalmente, um cérebro humano – fez comparações entre imagens de ressonância magnética do cérebro de diferentes indivíduos. Participaram do estudo pessoas que não apresentavam anormalidades para o aprendizado comum e eram interessadas em aprender; outra que não dava a mínima atenção para o que lhe era ensinado e de outra pessoa com dislexia – transtorno que dificulta a aprendizagem gramatical. Quanto mais eficiente em aprender era o sujeito que gerou as fotos, mais uma determinada área de seu cérebro “acendia”, mostrando que ali agiam as unidades do corpo responsáveis pela transmissão do conhecimento. E o resultado: os que mais se emocionavam eram os que mais aprendiam.

Dr. José Guilherme de Oliveira Brockington no ACTA 2012

Guardado no topo do corpo humano, o cérebro é o órgão responsável por “dirigir e gerenciar” todas as atividades corporais. Pesando, em média, um pouco mais de um quilo em adultos, é nele onde são processadas “as mais complexas belezas que existem para os humanos: raiva, amor, compaixão… enfim, as emoções”, enumerou Brockington. Fascinado por esse órgão, chegou a falar sobre curiosidades dele: “se desdobrado, ocuparia uma área de mais de um metro e, embora represente apenas 2% da massa corporal, consome 20% da energia do corpo”. O cérebro se conecta com restante do corpo pelos neurônios, células especializadas responsáveis pela transmissão da mensagem. Em conjunto, essas estruturas captam sinais do meio ambiente e dão sentido a eles. Hoje, pesquisadores da UFRJ estimam existir cerca de 90 a 100 bilhões de neurônios. “Se o número de neurônios fosse o número de árvores da Amazônia, as sinapses correspondem ao número de folhas”, sinaliza o pesquisador. Por sua vez, as sinapses são os pontos de conexão entre um neurônio e outro.

Mas o cérebro é um órgão seletivo. “Qualquer coisa que você aprenda, significa matar neurônio”, expõe Brockington. O pesquisador explica que por esse motivo, aquilo a que somos expostos “faz uma diferença brutal na forma como a gente vê o mundo”. Uma série de pesquisas mostra o papel da emoção na consolidação da memória. Uma delas, apresentada pelo pesquisador, consiste no seguinte: três grupos de pessoas decora uma lista de palavras negativas, uma lista de palavras neutras e outra de palavras positivas. Então, um grupo assiste a filmes deprimentes, um vê filmes alegres e outro vê filme que não tem distinção emocional. Ao final do estudo, os cientistas perceberam que essas pessoas tendiam a decorar as palavras que tinham a ver com o gênero do filme. Realizada pelo médico e pesquisador francês Stanislas Dehaene, outra pesquisa – intitulada How learning to read changes the cortical networks for vision and language (Como aprender a ler muda o funcionamento cerebral para visão e linguagem) – mostra, em gráficos, as diferentes áreas do cérebro que são ativadas quando pessoas analfabetas e letradas ativam quando veem imagens de rostos, lugares, objetos e letras. “Pesquisas como essas reforçam a existência da diferenciação no mecanismo cerebral entre pessoas que aprendem algo e ou deixam de aprendê-lo”, resume Blockington.

“Qual a pergunta que o educador tem que fazer ao neurocientista?”, questionou o pesquisador no início da elaboração de seu projeto. Para ele, nosso cérebro cria barreiras lógicas para a compreensão da Física, como no caso de responder se o que cai primeiro é a pedra ou a pena, explicitando haver um “abismo entre a pesquisa e a prática docente”. Em um experimento simples, analisou a reação de físicos e outros profissionais para saber quais as suas reações ao ver fotos de Angelina Jolie, Brad Pit, o pôr do sol, uma criança em situação extrema de fome, a Monalisa (de Da Vinci)… e a fórmula da relatividade de Einstein. Comparando os resultados, pôde perceber que o cérebro dos físicos ou das pessoas que gostavam de física reagia muito mais quando era submetido à imagem da fórmula. O padrão foi mantido nas outras figuras: todos os submetidos reagiam mais às imagens que preferiam.

“Conhecimento dá barato, ajuda explicar o mundo e isso é emocional. Se aquilo não bate no meu estômago e eu não internalizo, eu não consigo entender”, explanou Brockington, atentando para a necessidade de pensar métodos pedagógicos que aproximem as Ciências dos estudantes como o meio mais eficaz de ensinar disciplinas consideradas complexas como a Física. “A gente só aceita a explicação se aquilo for emocionalmente convincente”, conclui o pesquisador.

* Gilberto Rios é bolsista da Agência de Notícias Ciência e Cultura, estudante de Jornalismo na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom-Ufba) e integrante do grupo de pesquisa Cultura e Sexualidade (Cus) na mesma universidade.

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