Acreditando na importância de se celebrar os heróis e narrar as histórias de luta, apresentadores da mesa Ecologia política da violência e da defesa da terra relembraram os mortos na disputa pela terra
POR L. COSTA*
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Apesar de ser um dos países que mais mata ambientalistas, segundo estudo realizado pela ONG Global Witness, a questão agrária está longe de ser exclusividade do Brasil. É o que prova os dados e relatos apresentados na no III Congresso Latino-Americano de Ecologia Política, durante a mesa Ecologia política da violência e da defesa da terra, ocorrido no dia 20/03 (quarta-feira), no auditório externo do Instituto de Biologia, da Universidade Federal da Bahia.
Com o pesar de quem já perdeu entes queridos pela violência na disputa pela terra rural, a estudante da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e integrante da Fundação Zé Cláudio e Maria, Claudelice Santos conclamou a esperança. Irmã de Zé Cláudio da Silva, extrativista assassinado com sua esposa, Maria do Espírito Santo, em 2011, por denunciar grilagem de terra e desmatamento ilegal, ela marcou a necessidade de expôr os culpados, processo pelo qual ela passou ao buscar justiça para seu irmão e cunhada.
Após o desgaste do julgamento, Claudelice Santos recorreu da primeira sentença que culpou as vítimas pelo assassinato, os réus pelo crime contra o casal de extrativista encontram-se livres. Além da vagarosidade da justiça, as investigações muitas vezes acabam não chegando aos verdadeiros mandantes. “A esfera do consórcio de morte é ampla. Eu digo que ela tem três níveis: o primeiro é quem aperta o gatilho, que a gente chama de ‘bucha de canhão’. O segundo são os articuladores, que têm o interesse não-direto naquela morte e faz todas as conexões para o crime acontecer. E o terceiro, que ninguém chega, é quem financiou e se beneficia diretamente daquele assassinato”, afirma Claudelice, que finaliza lembrando: “nunca houve um governo que olhasse para nós’’.
A coordenadora geral do Movimento Xingu Vivo para Sempre, Antônia Mello, comenta: “Não temos a quem segurar as mãos, só a nós mesmos e as alianças que nós temos. Porque o Estado não defende povo, governo não defende a nossa soberania”. Melo acompanhou os embates em torno da Transamazônica e da usina de Belo Monte, obras construídas ainda durante os governos mais à esquerda do Partido dos Trabalhadores (PT). O desenvolvimento nacional aliado ao respeito pelas comunidades nativas é um desafio, mas não há perspectivas de que seja nesse ano que o cenário irá melhorar.
A violência que marca a questão fundiária no Brasil não é puramente física. Lembremos de Zé Cláudio, que teve a orelha arrancada, ou de Dorothy Stang, a missionária assassinada com seis tiros cujo corpo foi encontrado seminu. Como lembra o especialista em História da Amazônia e professor da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Airton Pereira, a violência é também simbólica, uma mostra do poder sobre os corpos e gera um efeito pedagógico, como um aviso aos outros ativistas. Pereira relembrou que os corpos de Zé Cláudio e Maria só foram recolhidos pela polícia depois de permanecerem o dia todo expostos. A polícia, aliás, entrou em sua exposição como cúmplice. “Muitas vezes a polícia é contratada como pistoleiro para fazer o assassinato”, afirma lembrando do massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996.
Fora do país, há o caso de Berta Cáceres, ativista hondurenha assassinada em 2016, relembrada pelo pesquisador do Instituto LIU para assuntos globais e professor da University of British Columbia, Phillipe LeBillon. Ele é responsável pelos levantamentos acerca de morte de ativistas ao redor do mundo, a ONG Global Witness lançou um documento chamado A que preço? atestando que o pior índice de assassinatos é do Brasil: ao todo 57 mortes apenas em 2017.
O diretor e co-fundador da ONG Global Witness, Patrick Alley, reforça que lutar pela terra não significa ser oposto ao desenvolvimento. “É sobre a própria humanidade. Esse modelo de desenvolvimento não funciona para as pessoas que são mais pobres. Mas concluo com uma nota positiva: a solução depende de mais informação, redes de apoio efetivas e comunicação”. Durante o evento os ativistas se mostraram dispostos a buscar essa solução, mas enquanto isso, as histórias de luta e morte continuam a existir.
*Estudante do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia e repórter na Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA