Tese de doutorado analisa as relações de gênero no universo religioso do culto à Jurema
NAIRA DINIZ*
naidiniz_15@hotmail.com
A música e as manifestações religiosas como mecanismos que proporcionem à mulher expressar suas ideias, crenças e valores foi o objetivo da pesquisadora Laila Andresa Cavalcante Rosa, em sua tese de doutorado As Juremeiras da Nação Xambá (Olinda, PE): músicas, performances, representações de feminino e relações de gênero na Jurema Sagrada. O trabalho foi defendido em 2009, no Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal da Bahia.
Através desta tese, a pesquisadora buscou entender tanto as músicas e performances de entidades espirituais femininas da Jurema, como as relações de gênero e poder presentes no universo religioso desse culto.
O estudo de campo foi realizado no terreiro Ilê Axé Oyá Meguê, de Nação Xambá, na cidade de Olinda, Pernambuco. Além deste, também foram assistidas cerimônias de jurema (obrigações, sessões de mesa branca e giras), em outras casas de Jurema. Mas o foco da pesquisa foi o culto da jurema praticado no terreiro Xambá.
A pesquisadora visitou o terreiro pela primeira vez em 1999, mas foi em janeiro de 2005 que foi convidada para assistir à uma cerimônia de Jurema, também chamada de obrigação. Além das obrigações, giras em diversas casas, a pesquisadora também assistiu festas e outras cerimônias. Mais por questões circunstanciais que metodológicas, as conversas oram pouco gravadas.
A estudiosa teve a oportunidade de acompanhar a cerimônia de iniciação (Obori de Caboclo) de uma menina de 7 anos.
Desde o início da pesquisa, ainda durante o Mestrado, a pesquisadora procurou desenvolver laços de proximidade com as pessoas. Procurava ajudar com a limpeza e organização das cerimônias e muitas vezes optava por não gravar as conversas, para se familiarizar com as pessoas e com o universo da religião, tentando não ser “a pesquisadora”, mas ouvindo e observando mais. Durante as cerimônias públicas e secretas a pesquisadora pôde realizar entrevistas e a gravação de músicas e o resgistro fotográfico das cerimônias.
Ao todo, foram quase 60 horas de gravações de entrevistas. Foram registradas mais de 20 giras e obrigações de jurema no Xambá e em outras casas, durante o calendário religioso de 2006 em 2008 para encerramento do trabalho de campo.
Por meio da tese, a pesquisadora pode abordar as diversas representações do universo feminino nas músicas e performances das entidades femininas, e analisar as relações de gênero no universo religioso do culto da jurema do terreiro Xambá. A experiência da pesquisa gerou uma proximidade com o povo-de-santo e com o universo dos orixás. Além de mudar a relação da pesquisadora com o terreiro, as pessoas e a religião, do lado espiritual dos orixás (africano), a estudiosa transitou para o lado espiritual da jurema (predominantemente brasileiro). Essa experiência gerou diversas questões, como: porque as mesmas mulheres que participam do culto aos orixás e da jurema, assumem papeis e possuem performances tão distintas na mesma religião?
Para facilitar a compreensão acerca deste fato, a pesquisadora analisou as diversas faces do feminino representadas pelas entidades femininas, músicas, sonoridades e performances. De acordo com uma perspectiva feminista, não faria sentido realizar a análise desconsiderando o cotidiano, a esfera humana, por isso foi buscado o feminino na prática da Jurema, a atuação das madrinhas, que em sua maioria são mulheres negras (heterossexuais, bissexuais e lésbicas), além de homens gays, também apontados como representantes do feminino e das próprias entidades femininas.
Através da pesquisa, a estudiosa espera contribuir para a compreensão do culto da Jurema do universo do terreiro Xambá e dessa forma, dar visibilidade a um culto religioso que não é muito popular, como tema de pesquisa e também, promover reflexões e críticas acerca dos estigmas, em torno da jurema e seus participantes. A pesquisa pretende mostrar a riqueza e complexidade do universo da Jurema, pois segundo a pesquisadora, este é dotado de príncipios teológicos, que lidam com questões de ordem prática e existencial profundas.
Além de ser pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares Sobre a Mulher (NEIM/UFBA), a Professora Laila Andresa Cavalcante Rosa é musicista, cantora, compositora, instrumentista e etnomusicóloga. Coordena o grupo de pesquisa e experimentos sonoros Feminaria Musical, que integra a linha Gênero, Cultura e Arte do NEIM, e vem desenvolvendo trabalhos sobre produção de conhecimento sobre mulheres e música no Brasil, além de trabalhar com educação musical e etnomusicologia, para compreender questões relacionadas à desigualdade presentes na educação como racismo, etnocídio e sexismo.
*Graduanda em Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias C,T&I – Ciência e Cultura.