I Seminário Internacional de Política, Trabalho e Território reuniu especialistas que discutiram sobre desenvolvimento do atual sistema econômico
POR VICTÓRIA LIBÓRIO*
Há trinta anos muitas fábricas brasileiras espalhavam em suas paredes cartazes com a seguinte ordem: “Silêncio, aqui se trabalha!”, em que somente interessava ao dono do capital o trabalhador como força de trabalho e corpo, não sua personalidade ou intelecto. A principal novidade do pós-fordismo, modelo de processo produtivo caracterizado pela flexibilidade, trabalhando com menor quantidade e maior eficiência da produção, é justamente a inversão deste processo.
Os cartazes agora carregam os dizeres “Aqui se trabalha, fale!”, valorizando a participação do trabalhador como um todo dentro da firma, como já é feito desde da década de 70 do século XX pelos japoneses, com o toyotismo. No Brasil, este processo surgiu tardio, ainda na década de 90 e levando o nome de “japonização” da produção industrial.
Essas e outras discussões foram levantadas durante a realização do I Seminário Internacional de Política, Trabalho e Território, ocorrido entre os dias 22 e 23 de agosto, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFBA (FAUFBA). O evento, coordenado pela professora Mariângela Nascimento, e promovido pelo Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, debateu a sociedade capitalista, suas transformações e consequências. De acordo com a professora, “o seminário foi de extrema importância para a discussão dos processos de ‘despossessão’ dos espaços públicos comuns que acontecem nas cidades”.
O evento reuniu dados, análises e compartilhou produções acadêmicas que explicam o desenvolvimento de novas formas de trabalho. Palestrante do evento, o professor Paulo Henrique de Almeida, da Faculdade de Ciências Econômicas, afirmou que o capitalismo chega ao ponto de conseguir produzir a partir do próprio consumidor, por meio dos programas self-service. Para ele, isto é o ápice da terceirização.
O economista dá como exemplo o caso da Microsoft, que soube usar a técnica da terceirização em alta escala. “Por meio daquela janela de envio de relatórios que sempre surge no computador, a empresa consegue mapear os problemas que existem em seus produtos. Desta maneira, o usuário acaba trabalhando voluntariamente sob o discurso de tornar o programa melhor e gerar cada vez mais lucro para o Bill Gates”, afirma.
Em complemento à fala de Almeida, o professor César Sanson, da UFRN, informa que o capitalismo tentou se livrar, durante muito tempo, do trabalho vivo, isto é, “o trabalho pensante de corpo e alma”. Para o Doutor em Sociologia, ao capitalismo interessava somente que o trabalhador oferecesse o corpo. Já a sua individualidade deveria ser deixada do lado de fora da fábrica. No entanto, o pesquisador explica que com as diversas crises, mudanças e adaptações, o sistema econômico ressurge ainda mais fortalecido e passa a exigir o trabalhador por inteiro. “Hoje, o capitalismo industrial tende a reintegrar o trabalhador em seu todo no propósito da produção; a mente é importante para o capital”, diz.
BRASIL – Além de debater assuntos relacionados ao sistema econômico capitalistaemnível global, o tema das discussões também procurou se aproximar da realidade brasileira, principalmente, no que diz respeito às manifestações que acontecem a partir do mês de junho deste ano. Conforme Sanson, estes fenômenos de massa devem ser analisados sob uma perspectiva dialética. “Ser dialético é levar em consideração essas mudanças. Estamos assistindo uma grande transformação da sociedade frente ao desenvolvimento do trabalho”, relata. “O processo é similar à transformação da sociedade agrária para a industrial, servindo como ponto de referência para analisar essa ‘grande transformação’”, completa.
Quando se trata da conformação do espaço pelo capitalismo, é denunciada essa difusãoentre privado e público pelo Estado brasileiro. “A situação de cumplicidade que se estabeleceu entre o público e o privado dentro do mercado já é gritante”, diz Ana Fernandes, professora da FAUFBA. Segundo ela, “as ‘despossessões’ dentro favelas do Rio de Janeiro são justificadas pela expansão imobiliária e construção civil, em que o Estado tira as casas da comunidade devido à construção de rodovias ou mediante interesses privados”.
No que diz respeito à ocupação do espaço público pelo privado, os palestrantes lembraram o movimento “Desocupa”, ocorrido em Salvador em 2012, que teve início devido a uma permissão da prefeitura para montar um camarote de carnaval na praça pública de Ondina. Para Ana Fernandes, Salvador viveu intensamente esta polêmica, na qual a discussão central girava em torno do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) e da Legislação de Ordenamento e Ocupação do Uso do Solo (LOUOS). “Em vez de atender aos interesses dos cidadãos, estas normas facilitaram a expansão imobiliária, liberando construções para as empresas. No entanto, retiraram as barracas da orla de pequenos empresários e famílias”, afirma.
O seminário computou um total de quatro mesas sob os temas Trabalho Vivo e Constituição do Comum; Nova Composição Social e Novas Resistências; Desenvolvimento, Descolonização e Globalização e A Cidade e a Desconstrução do Comum. Além das palestras, o seminário recebeu duas conferências; As psicopatologias do capitalismo cognitivo, do professor Matteo Pasquinelli, convidado vindo da Alemanha, e As lutas do Trabalho Metropolitano, de Giuseppe Cocco, UFRJ.
*Estudante de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo e estagiária da Agência de Notícias em C&T