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Atualizado em 16 DE dezembro DE 2015 ás 00:39

Tecnologias que apontam para um novo ideal

Formas alternativas de tecnologia abandonam o lucro e geram impactos sociais positivos. Confira na matéria produzida pela repórter Alessandra Oliveira

ALESSANDRA OLIVEIRA*
alessandraso.jornalismo@gmail.com

A palavra tecnologia nos remete automaticamente a descobertas no campo da inovação, porém, existem também as chamadas Tecnologias Sociais (TS). Implantadas em conjunto com a comunidade, tem como objetivo, não a obtenção de lucro, mas a solução de algum problema social ou ambiental. Em alguns casos TS são implantadas de forma equivocada, gerando perda de dinheiro público e transtorno para população.

São várias as definição de TS. A mais difundida no país é da instituição Rede de Tecnologias Sociais (RTS): produtos, técnicas ou metodologias replicáveis, desenvolvidas em interação com a comunidade e que representam efetivas soluções de transformação social. Tecnologia Social não é, portanto, apenas dispositivos tecnológicos, mas também um ‘modo de fazer’ que facilite uma atividade. Soro fisiológico ou mutirão para construção de casas são exemplos de TS.

O termo “social” é utilizado apenas no Brasil. Segundo Andréa Ventura, doutora em Engenharia Industrial com enfoque em Tecnologias Sociais no Semiárido Baiano, a ênfase que o Brasil dá na participação popular para validação, construção e implementação de uma tecnologia social é muito particular. “Isso vem de um histórico em prol de processos sociais pós-ditadura que buscam ser participativos. Talvez outros países não tenham tão arraigado essa necessidade, mas pouco a pouco descobrem que é fundamental”, opina.

Durante a implantação é necessário estudar a realidade local, as pesquisas realizadas pelas universidades próximas, seus projetos governamentais e especificidades naturais. Além disso, para que a TS seja incorporada pela comunidade, é necessário transmitir o conhecimento sobre como implantar e manter aquela tecnologia.

Foto reprodução

Incompetência técnica – Algumas tecnologias nasceram para serem sociais, mas perderam essa função por diversos motivos. Uma TS não se resume ao produto gerado, mas também ao momento de pesquisa. Ventura denuncia o problema da má implantação de tecnologias sociais, segundo ela, muito frequente.

As cisternas pré-moldadas, por exemplo, tecnologia usada para suprir a falta de água em lugares secos, são comumente implantadas sem o devido estudo do solo e das características socioambientais dos locais. “O conhecimento e renda não ficam ali, só a estrutura”, adverte Ventura.

O presidente do Instituto Nacional de Tecnologias Sociais (INATES), Antônio Carlos Basilio, atribui esses casos à falta de suporte técnico das organizações responsáveis e acompanhamento durante a implantação. “Além do desperdício dos cofres públicos, faz com que projetos com boa intenção sejam mal interpretados. O governo fala de superávit primário, mas tem que prestar atenção na forma de utilizar esse recurso”, analisa.

Falta de incentivoA relação com empresários dificulta a disseminação das TS. Para o presidente do INATES, os donos de empresas não trabalham uma cultura voltada para o social. “O que falta é a soma de esforços. Os empresários entendem que a responsabilidade não é deles, mas apenas do poder público”.

Ainda segundo ele, “Existe uma cegueira política na sociedade. As pessoas julgam outras temáticas como mais importantes que a definição das tecnologias sociais. Mas, essas tecnologias são, em si, uma prioridade”. Apesar disso, Basilio acredita que “o governo faz TS sem perceber” quando age na agricultura familiar, organiza mutirão de construção de casas ou realiza projetos em comunidades quilombolas.

Já Ventura acredita que o preconceito das pessoas é um grande empecilho para disseminação das TS: “Muita gente acha que, porque é simples, não deve receber o aval da ciência”.

Algumas tecnologias específicas já fazem parte da Política Pública do governo, como as cisternas, mas as organizações ainda lutam para que as tecnologias sociais como um todo sejam reconhecidas e, assim, obtenham maior investimento financeiro.

Prêmio Fundação Banco do Brasil – Hoje a maior gerenciadora nacional do ramo é a Fundação Banco do Brasil. Através do Prêmio Banco do Brasil de Tecnologia Social ela legitima ou não uma TS. Com realização bienal, o concurso financiará na edição de 2015 apenas 18 tecnologias. Na última edição, cinco tecnologias sociais baianas foram finalistas, sendo duas desenvolvidas por instituições de Salvador e uma delas vencedora do prêmio. O problema do método de concurso são as tecnologias que não ganham apoio financeiro e precisam recorrer a doações de empresas privadas ou da população.

A tecnologia baiana “Ensino Médio com Intermediação Tecnológica: Inovação na Educação Básica da Bahia” foi finalista em 2013 e já atua em 150 municípios. O projeto é da mestre em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social, Letícia Machado, em conjunto com a Secretaria de Educação do Estado da Bahia. Apesar de não ter recebido apoio financeiro, Machado acredita que o prêmio traz motivação: “Nos indica que estamos no caminho certo”.

Foto reprodução

Moedas sociais

Tecnologia movimenta economia local – Moedas sociais são papéis moeda que circulam de maneira restrita em um território definido, que podem ser grupos e comunidades empobrecidas ou bairros e favelas de grandes cidades. O objetivo é resolver o problema da falta de acesso ao crédito e exclusão financeira desses lugares, fazendo circular a riqueza local. No Brasil existem cerca de 100 moedas sociais, com maior concentração no Ceará, 37, e oito na Bahia.

A economia, popular e solidária, é incentivada nos pequenos empreendimentos produtivos e prestadores de serviços. Primeiro, são oferecidos pequenos créditos na moeda social para incentivar seu uso. Depois, a comunidade habitua-se a usar a moeda entre eles e em mercadinhos do bairro.

Iniciativa, na maioria das vezes, totalmente independente da prefeitura, as moedas fazem parte de uma tecnologia social maior: os bancos comunitários (BCD). No processo de criação, a comunidade se junta para organizar as regras que irão gerir o uso do dinheiro. “Como tudo é decidido coletivamente, as pessoas aceitam a moeda muito bem”, comenta a doutora em administração, com ênfase em Moedas Sociais e Gestão de Territórios, Ariádne Scalfoni.

As moedas desses bancos são lastreadas no real. O que significa dizer que um produto do mercado no valor de R$5, vai valer cinco moedas sociais. Além disso, o Banco Central exige que, para cada moeda lançada na comunidade, os BCD’s precisam ter 1 real guardado. Assim, se houver um problema no sistema, as pessoas terão seu dinheiro de volta.

Nos anos 2007 e 2008 houve um aumento significativo na criação de bancos no Brasil. Isso porque nesse período começou o apoio da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) através da abertura de editais. Os dados da tabela ao lado representam os anos de inauguração, mas o processo de planejamento para implantar um banco demora cerca de dois anos.

Nos últimos anos, algumas moedas deixaram de ser usadas. “Elas já cumpriram seu papel pedagógico e econômico”, afirma Ariádne. Segundo pesquisa do Banco Palmas, pioneiro no Brasil, 94% das pessoas consomem no bairro, apesar da queda no uso da moeda. “Não tem sentido manter uma tecnologia social depois que ela se torna obsoleta. Assim como não usamos disquete se existem pen drives”, completa a pesquisadora.

Impedimentos - Por estarem presentes, principalmente, em comunidades distantes, os bancos comunitários são de ruim acesso. Segundo Ariádne, a baixa escolaridade dos criadores também dificulta: “Não dá pra enviar questionários densos pela internet nem telefone”. Os rápidos avanços no campo fazem com que as informações, quando publicadas, já estejam defasadas.

Isso implica em menos pesquisas e divulgação na mídia. No Brasil, existem apenas três teses e dissertações sobre o assunto, sem nenhum enfoque aprofundado sobre os usuários. A política pública que apóia essa rede carece, assim, de informação de análise e os sistemas de gestão da própria tecnologia perdem resultados importantes para o próprio aprimoramento.

O momento da impressão do dinheiro também enfrenta dificuldades. Existem apenas três gráficas no Brasil aptas a imprimir esse papel, visto que é necessário sistema de segurança, com marca d’água e número de série.

Além disso, algumas moedas não sobrevivem por questões que fogem à responsabilidade dos BDC’s, a exemplo do tráfico de drogas, conflitos políticos, comerciantes que recusam o modelo ou organizações apoiadoras que param com o financiamento. “As moedas sociais são muito legais, mas não vão resolver todos os problemas”, comenta a pesquisadora.

Moeda eletrônica - Já há uma tendência do papel moeda ser trocado por cartão, o que implica, segundo Ariádne, em mais segurança, rapidez e praticidade. O Banco Palmas, de Fortaleza, pretende implementar o projeto “e-dinheiro” dentro de um ano.

O sistema não foi implantado antes porque seria necessário pagar uma taxa de uso para a empresa fornecedora das máquinas de cartão. Assim, o uso da moeda seria facilitado, mas seu custo, sobrecarregado. O banco agora domina a tecnologia da máquina e poderá produzi-las. “Esse é um exemplo de transformação da tecnologia de acordo com as necessidades dos seus criadores”, comenta Ariádne.

*Graduanda no curso de Comunicação Social – Jornalismo, na Universidade Federal da Bahia e bolsista da Agência de Notícias em Ciência e Cultura da UFBA

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