Essa linha de pensamento põe em questão os saberes sobre sexualidade e gênero hegemônicos e inquirem os sujeitos a repensarem tanto seus corpos quanto suas subjetividades.
Gilberto Rios*
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“Parabéns! É um(a) menino(a)!”. A frase que pode servir como um presente para os pais se revela uma sentença para a criança. A partir desse momento, o bebê terá que se enquadrar nas normas do gênero que lhe foi imposto. Se for um menino, deverá ter o nome de menino, agir como um, usar brinquedos e roupas de meninos e, enfim, viver como um homem. Mas e se esse recém nascido rejeita a ideia de viver em concordância com o gênero que lhe deram? E se ele não se enquadra em nenhuma das normas de gênero? Leandro Colling, doutor em Comunicação e Culturas Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia, problematizou as concepções de gênero e sexualidade em seu trabalho Teoria Queer, uma teoria feminista.
Visualize a cena: num congresso que discutia a adoção do nome social condizente com o gênero para pessoas trans (travestis, transgêneros e transexuais), uma transexual na plateia levanta irritada com a fala de uma travesti, faz gestos com a mão indicando algo grande e sentencia: “Como ela, que tem uma coisa desse tamanho entre as pernas, quer dizer que é mulher? Não é!”. “Situações como essa só reforçam a dificuldade que alguns movimentos sociais, seja ele feminista ou trans, têm em dialogar, embora tenham o mesmo interesse”, indicou Leandro Colling. Pensar o gênero como algo construído culturalmente é uma das ideias que fazem a teoria queer e as teorias feministas se encontrarem.
“Para produzir algo queer é necessário pensar a capacidade de estranhar”, afirmou o pesquisador. Colling lembra que queer é uma expressão em inglês que corresponde a bicha ou veado no Brasil. “Ao reivindicar o título de queer, os primeiros pesquisadores e ativistas queriam mostrar que existe alguém além das formas hegemônicas de se enquadrar. Essa outra parte da carga semântica da palavra que não dá conta apenas de falar sobre a sexualidade da pessoa”, prosseguiu. Mas é claro que um segmento ideológico tão amplo e em voga do campo da sexualidade não se restringe a só esse pressuposto.
Os trabalhos queer, entre outras características, costumam se igualar porque admitem a idéia de existem mais que dois gêneros, de que o sexo biológico não determina o gênero, que o corpo também é construído culturalmente, e que a heterossexualidade compulsória ou heternormatividade são resultado do pensamento naturalizante que entrelaçam sexo-gênero-desejo e prática sexual. Essa problematizações ecoarão sobre a forma como o indivíduo se vê biológica e subjetivamente.
“Mas essas ideias não são apenas fruto de trabalho acadêmico e morrem no papel, não”, reforça Colling. Pensar de forma queer irá incidir não só sobre sexualidade, como na lei ou no saber médico. “Basta lembrar que quanto mais uma pessoa rompe com as normas de gênero que estamos acostumados a pensar, mais ela se torna vítima de violência. Repensar a forma como vemos o mundo é uma das formas de muda-lo”, concluiu.
*Gilberto Rios é bolsista da Agência de Notícias Ciência e Cultura, estudante de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/Ufba) e integra o grupo de pesquisa sobre Cultura e Sexualidade (Cus).