Carina Feitosa, doutoranda em Psicologia, e Ivy Guedes, líder da primeira Marcha do Empoderamento Crespo e do grupo de pesquisa Firmina, conversam sobre cabelo e identidade racial no auditório da Faculdade de Comunicação
POR ANA GENEROSO*
generoso.a.carolina@gmail.com
Para encerrar a programação do Novembro Negro da Universidade Federal da Bahia (UFBA), na tarde da última sexta-feira, 30, a Faculdade de Comunicação da UFBA realizou a mesa “Estética, subjetividade e empoderamento” para discutir a mulher negra, o cabelo crespo e a política por trás do ritual de alisamento. O debate contou com a presença das pesquisadoras Ivy Guedes e Carina Feitosa e foi promovido pela Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil da UFBA.
“Hoje, eu vou falar aqui para vocês não só como psicóloga, mas como mulher negra”, anunciou a mestre em Psicologia Social, Carina Feitosa, ao iniciar as discussões. Em tom de conversa intimista, Feitosa compartilhou a sua trajetória, dos 9 aos 27 anos, com o relaxamento químico e seu cabelo crespo: “Eu me via como uma mulher negra, mas não questionava a possível mensagem que o meu cabelo [alisado] transmitia, muito menos o significado daquele ritual. Quando você começa a alisar aos 9 anos, chega aos 27 e você não lembra como era o seu cabelo”, conta.
O cabelo das mulheres negras tornou objeto de pesquisa de doutorado de Feitosa, mais especificamente o processo de transição capilar. A transição capilar é uma etapa de recuperação da textura natural dos fios após a suspensão de tratamentos químicos de alisamento. O processo se encerra depois do crescimento das raízes naturais com o “big chop” ou “grande corte” para eliminar os resquícios de química das pontas.
Segundo as pesquisadoras, a transição capilar vai além de uma mudança estética. Não tem como falar dela sem falar de racismo e do papel social do cabelo como símbolo da beleza feminina. Por trás do ritual de alisamento está uma tentativa, mesmo que subconsciente, de se adequar ao padrão hegemônico de beleza eurocêntrica que estabelece uma hierarquia de características físicas, determinando, assim, uma linguagem de subtexto discriminatório, o popular “cabelo bom” e “cabelo ruim”.
Na sociedade e na academia a transição ainda é tema muito recente. O movimento surgiu por volta de 2012, nas redes sociais, em especial por meio do grupo “Cacheadas em Transição” do Facebook. Seis anos depois, os resultados aparecem na vastidão da comunidade de apoio online e no surgimento de um nicho de produtos de beleza para cabelos naturalmente crespos. “Hoje em dia, tem uma enxurrada de produtos para cabelo natural, mas na minha infância e adolescência não. Todo produto para cabelo crespo era ‘crespo quimicamente tratado’. Não tinha outra opção para a pessoa que tinha o cabelo crespo ou cacheado”, relembra Feitosa.
As interações em redes sociais podem ter ajudado a popularizar o movimento do cabelo natural, mas não são isentas de problemáticas. Feitosa e Guedes alertam para a armadilha da “ditadura do cacho perfeito”, isto é, a busca pela super definição dos cachos. Cada cabelo se comporta de maneira diferente e deve ser valorizado do seu jeito; o frizz e o volume não precisam ser eliminados para a mulher se sentir bem com os seus cachos.
A experiência de Feitosa foi compartilhada em grupos de WhatsApp do movimento crespo em Sergipe, ressaltando a sororidade e também, os preconceitos sofridos e o medo das mulheres negras em assumir sua textura natural. “Esses depoimentos sempre vinham acompanhados de coisas do tipo: a minha mãe não aceita o meu cabelo; o meu pai critica o meu cabelo; o meu parceiro está falando que se eu parar de alisar, ele vai acabar o nosso relacionamento”, ressalta.
As pesquisadoras estabeleceram um elo entre o movimento de transição e a militância negra como um ato de resistência aos ideais de beleza e ao racismo enraizados na sociedade brasileira. “Uma mulher negra que assume seu cabelo natural está sujeita a enfrentar determinados problemas. Não tem como falar de transição capilar e não falar de racismo porque, no fim, toda essa problemática acontece pois a sociedade está assentada num sistema racista”, finaliza Feitosa.
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*Estudante do curso de jornalismo da Faculdade de Comunicação e repórter na Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA