Capacitar jovens para a produção audiovisual comunitária e observar os processos de ressignificação das identidades no distrito de Acupe, na cidade de Santo Amaro, foram os objetivos iniciais da Atividade Curricular em Comunidade (ACC) Memória social: audiovisual e identidades.
Por Adriana Santana*
asantana.cultura@gmail.com
Capacitar jovens para a produção audiovisual comunitária e observar os processos de ressignificação das identidades no distrito de Acupe, na cidade de Santo Amaro, foram os objetivos iniciais da Atividade Curricular em Comunidade (ACC) Memória social: audiovisual e identidades. A disciplina foi coordenada durante o ano de 2011 pelo professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba), José Roberto Severino, e teve em sua composição estudantes de Jornalismo, Produção Cultural, Museologia, Música, Letras e Ciências Sociais, entre outros. Durante o ano, a atividade se aproximou da produção cultural do município e atuou na organização de museus, arquivos de memória e atividades culturais.
A ação educativa de capacitação na linguagem audiovisual foi direcionada a estudantes do Colégio Estadual Castro Alves, em Acupe. Foram oferecidas oficinas de roteiro, direção, direção de arte, produção, fotografia, vídeo e edição, com o objetivo de instrumentalizar jovens da comunidade para o uso cidadão da linguagem audiovisual e da web. Foram desenvolvidas ainda oficinas de jornal mural e de montagem da exposição, pois estes serão os produtos finais da disciplina. As aulas foram ministradas pelos alunos da ACC, exceto a de fotografia, que contou com a participação do professor da Faculdade de Comunicação da Ufba, Rodrigo Rossoni. A formação diversa dos estudantes da disciplina permitiu essa atuação efetiva durante o processo de capacitação dos jovens de Acupe.
Formada em jornalismo pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (Ufrb) e estudante do quarto semestre de letras vernáculas da Ufba, Jamile Teixeira afirma que a experiência na ACC foi positiva, pois “apesar da evasão de alguns alunos, outros estiveram muito interessados, então é como plantar uma semente no meio do oceano, pensando em despertar as possibilidades deles. Os alunos sempre trouxeram sugestões e eu consegui trocar muita coisa com eles”. Para o estudante do sétimo semestre do bacharelado em instrumento, Ronaldo Oliveira, a disciplina contribuiu para que percebesse a importância da documentação e da memória. “Não importa se você tem a melhor câmera ou o melhor gravador, mas se você já tem um papel ou caneta, escreva o que você viveu ali e documente. Acho que é a coisa mais importante que levo da ACC e que se articula diretamente com a universidade”, afirma.
O estudante do quarto ano do Colégio Estadual Castro Alves, Rodrigo Cézar, viu a ACC como uma oportunidade de se aperfeiçoar nas técnicas de imagem e vídeo. Ele já havia realizado outros cursos de audiovisual, por isso se interessou em participar das atividades. “Para mim, o audiovisual é mais uma forma de expressão, além da música”. O estudante possui uma banda de rap chamada Vício Fatal, surgida após o Festival Anual da Canção Estudantil, do qual participou esse ano.
Durante as atividades, foi dada atenção especial para que ocorresse o envolvimento dos jovens com a comunidade de idosos do bairro no entorno da escola. “O projeto deveria acompanhar jovens que iriam manter um contato com pessoas e mestres dos saberes ligados à cultura local nas comunidades do entorno do recôncavo, e assim ouvir e contribuir na difusão de anseios locais a partir da comunicação”, afirma o professor José Roberto Severino. A produção cultural da região também foi observada e acompanhada e, durante esse processo, a disciplina se aproximou do grupo de samba de roda Raízes de Acupe. Desde 2006, o grupo trabalha com o objetivo de transmitir para os jovens as heranças do samba de roda, uma tradição afro-brasileira que compõe a identidade do recôncavo baiano.
O professor acredita que os objetivos da disciplinas foram alcançados, e pretende continuar com as atividades no próximo ano. “Os objetivos de aprendizagem, referentes ao aproveitamento da disciplina pelos alunos da graduação foram atingidos em sua totalidade. Duas monografias, um projeto de mestrado aprovado e a experiência ímpar vivenciada pelos acadêmicos: conhecer e participar da vida comunitária, entrevistar pessoas, sair dos muros da universidade. Os objetivos da intervenção social foram atingidos parcialmente, já que o trabalho vai necessariamente ter de continuar. Iremos manter o acompanhamento da comunidade e principalmente o trabalho na Escola Castro Alves e no grupo de samba de roda Raízes de Acupe”, indica.
Colégio Estadual Castro Alves
O colégio onde foram realizadas as oficinas está localizado no distrito de Acupe, que possui sete mil habitantes. Ele atende ao Ensino Médio e possui cerca de 350 alunos, com idade entre 15 e 18 anos.
Desde 2008, a escola vem realizando a Semana da Consciência Negra, um projeto que dialoga com a memória e identidade local. O diretor da escola, Hans Werner, identifica que o diálogo com as matrizes culturais africanas é importante para “não diferenciar a realidade da escola da realidade do aluno e também para pensar políticas públicas, ajudar na autoafirmação e contribuir para a eliminação do racismo”.
Sobre as oficinas realizadas pela ACC, o diretor diz que a procura foi grande e que elas tem tido repercussão positiva. A escola ainda não tinha realizado nenhum projeto em conjunto com qualquer universidade e Hans Werner considera essa relação positiva. “A extensão tem um papel muito importante para a universidade e, ainda que algumas áreas tenham interesse em realizar a aproximação entre Academia e comunidade, essa não é a regra”, pontua.
Atividade Curricular em Comunidade
O Programa Ufba em Campo (ACC) é uma é uma proposta educativa, cultural e científica de ordem interdisciplinar que promove o diálogo entre professores e estudantes das diversas unidades da Ufba – e entre tais atores e a sociedade. A ACC é uma disciplina de natureza complementar que integra o ensino, pesquisa e extensão universitária. O programa estabelece a oportunidade de a comunidade interagir com a universidade, construindo parcerias beneficiadas pela troca de saberes.
Entre os objetivos do programa, estão a oportunidade de intensificar o contato da universidade com a sociedade, contribuindo para o cumprimento do seu compromisso social; promover maior aproximação entre os currículos e a vida concreta da sociedade e propiciar a descoberta de novos objetos de investigação em contextos externos ao meio acadêmico. Pelo seu caráter interdisciplinar, é solicitado que cada turma da ACC seja constituída por, pelo menos, alunos de três cursos diferentes.
Samba de Roda Raízes do Acupe
O samba de roda é uma tradição afro-brasileira que remonta ao período da escravidão, quando os escravos se reuniam após o trabalho para se divertir, cantando e sambando ao som de instrumentos artesanais. No distrito de Acupe, a tradição do samba permanece, pois este lugar teve muitos engenhos e senzalas no período escravocrata.
O Samba de Roda Raízes de Acupe foi fundado em 2006 com a finalidade de divertir as pessoas e preservar as heranças do samba. O grupo surgiu quando pescadores, trabalhadores da mariscagem e lavradores se reuniam para tocar e cantar, com as mulheres sambando. Além do grupo principal, foi criado um grupo de samba mirim formado por crianças e adolescentes na faixa etária de 08 a 16 anos, a fim de dar continuidade ao repasse da tradição e memória.
“A gente não tem apoio da prefeitura, nem das pessoas, só da comunidade local. O grupo já promoveu dois encontros de samba, onde conseguimos trazer grupos de várias cidades, sem nenhuma ajuda do governo, de forma solidária. Lançamos um cd, mas ainda não conseguimos tirar muitos recursos da venda deles”, afirma a presidente do grupo, Joanice Fernandes. O grupo realiza apresentações em Acupe e em outras cidades, desde que sejam convidados. Recentemente se apresentaram em Salvador, nas comemorações do dia da baiana do Acarajé, em 25 de novembro [http://www.bahia.com.br/node/13358].
Com informações do blog Raízes de Acupe e dos estudantes da Atividade Curricular em Comunidade (ACC) Memória social: audiovisual e identidades.
*Estudante de Produção Cultural da Faculdade de Comunicação da Ufba – Facom