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Atualizado em 4 DE maio DE 2013 ás 18:30

Um baianíssimo inglês

Jonathas Abbott nasceu na Inglaterra, no final do século XVIII, veio ficar o resto da vida na Bahia, onde fez toda a sua formação na Faculdade de Medicina e na Santa Casa de Misericórdia tendo sido o primeiro-cirurgião do Hospital de Caridade desta capital.

POR CLÁUDIO ANTÔNIO DE FREITAS BANDEIRA*

Outra figura impar a circular pela velha faculdade foi a do cirurgião Jonathas Abbott, que passou 54 dos seus 72 anos em Salvador e aqui se naturalizou, tornado-se um baianíssimo inglês. No livro O Diário de Jonathas Abbott (Ed. Francisco Alves), o seu trineto, o embaixador Fernando Abbott Galvão, destaca que o trisavô celebrizou-se como anatomista e cirurgião na Faculdade de Medicina da Bahia.  Abbott nasceu na Inglaterra, no final do século XVIII, depois da Revolução Francesa, e havendo passado em sua terra natal a infância e a adolescência; na época de expansão do Império de Napoleão Bonaparte, veio ficar o resto da vida na Bahia, onde fez toda a sua formação na Faculdade de Medicina e na Santa Casa de Misericórdia tendo sido o primeiro-cirurgião do Hospital de Caridade desta capital.

Batizado de Jonathan Richard Abbott naturalizou-se brasileiro em 1821, passou a ser apenas Jonathas Abbott. Nasceu no ano de 1796, em uma humilde família anglicana, em Londres, Inglaterra, e, ainda adolescente, em 1812, quando o Grande Exército de Napoleão avançava pela Europa Central em direção à Rússia, veio para o Brasil como servidor do doutor José Álvares do Amaral, lente de Cirurgia do Colégio Médico-Cirúrgico da Bahia. Salvador, então, contava com 50 mil habitantes e fazia 40 anos que havia deixado de ser a capital do Brasil-Colônia.

Apesar de seu porto ainda se destacar devido aos produtos primários regionais, estava péssimas condições urbanísticas e higiênicas. Seus sobrados em ladeiras estreitas despejavam águas servidas e detritos domésticos e por onde passavam africanos escravos transportando cargas. Não existiam hotéis aceitáveis. As praias ainda não eram usadas pela população. O cenário era o ideal para a ocorrência de constantes epidemias. Sem casas de saúde, as cirurgias eram, em grande número, realizadas nas casas dos pacientes. Nos hospitais, as intervenções operatórias, em 23% das vezes, terminavam em óbito, conta Abbott em seus diários.

Essa Salvador pouco hospitaleira, mas de paisagens naturais deslumbrantes, foi para onde o médico Álvares do Amaral trouxe o jovem Jonathas, e, diante do grande interesse do rapaz pela atividade profissional do patrão, tornou-se seu orientador, encaminhado-o para a Academia Médico-Cirúrgica. Abbott iniciou sua formação como médico e professor em 1816. Aos 20 anos, ingressou no Colégio Médico-Cirúrgico, que funcionava no Hospital da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, e, com 24 anos, galgou o diploma de cirurgião aprovado. Aos 25 anos, recebe o segundo título, cirurgião formado, e é nomeado primeiro-cirurgião de uma corveta da Marinha Imperial. Aos 29 anos, torna-se lente substituto da cátedra de Anatomia.

Com 31, torna-se lente substituto da cadeira de Operações e Partos. Com 32, é lente substituto das cadeiras cirúrgicas e lente proprietário da cátedra de Anatomia da Academia Médico-Cirúrgica da Bahia. Aos 35, obteve, através de concurso, o título de doutor em Cirurgia pela Universidade de Palermo. Com 37 torna-se o primeiro-cirurgião da Santa Casa de Misericórdia da Bahia. Enfim, aos 39 anos de idade, quando já tinha sido professor de três cátedras e doutorado por uma universidade europeia, é titulado doutor pela Faculdade de Medicina da Bahia. Aos 42 de idade, seria nomeado cirurgião-mor substituto no Exército, e membro, depois presidente, do Conselho Provincial de Salubridade.

Conversadeira e estante: raridade de uma época

Por várias vezes exerceu interinamente o cargo de diretor da Faculdade de Medicina da Bahia. Em constante ascendência profissional, Abbott tornou-se respeitado como intelectual, escritor, poliglota e erudito; católico romano, liberal e bonapartista; anatomista, operador e docente, conhecido pela grande habilidade cirúrgica, membro de importantes associações e detentor de respeitáveis veneras nacionais e internacionais. Era irmão da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, e recebeu, em Paris, o grau de Cavaleiro Rosa-Cruz na Maçonaria; de regresso, haviam-lhe sido concedidos os títulos brasileiros de Fidalgo da Casa Imperial, o Hábito da Ordem de Cristo e a Ordem da Rosa; a portuguesa Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, entre outras.

Abbott tinha 63 anos quando, em outubro de 1859, o imperador D. Pedro II, aos 34 anos de idade, visitou a Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus. No local, o monarca visitou  o museu de Anatomia Comparada, primeiro da especialidade no País – o depois famoso Gabinete Abbott –, e uma demonstração de dissecação humana, assistida atentamente e anotada no diário do impressionado soberano, que não resistiu a louvar o velho anatomista anglo-baiano.

Poucos catedráticos lograram tão importantes títulos na Faculdade de Medicina quanto o professor Abbott que deixou escritas duas dúzias de trabalhos científicos em sua especialidade, diversos textos literários, mais algumas traduções, muitos publicados por seus alunos, além do valoroso diário, que documenta uma época. De hábitos sofisticados, Abbott reuniu em sua residência, o Palacete do Caminho Novo do Gravatá, depois Rua do Tijolo, ainda hoje o maior solar da atual Rua 28 de Setembro, também neste Centro Histórico, a mais importante e numerosa coleção de quadros do Nordeste e do Norte do Brasil, quase 400 telas que constituem a famosa Galeria Abbott, núcleo da Pinacoteca Estadual, atualmente o Museu de Arte da Bahia.

De seus 72 anos de vida passou 54 em Salvador onde teve três mulheres e nasceram seus dois filhos e duas filhas. Foi sepultado no Cemitério do Campo Santo, da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, onde repousou até que, quatro anos depois, um filho levou seus restos mortais para o Rio Grande do Sul, registra O Diário que traz comentários do seu descendente Fernando Abbott Galvão, e o prefácio do embaixador Rubens Ricupero.

Artista e médico cientista – Aluízio Rosa Prata poderia ter sido apenas um dedicado oficial médico da Marinha brasileira. Nascido em Uberaba (Minas Gerais) e diplomado em Medicina no Rio de Janeiro, mas acabou sendo transferido para a Bahia onde assumiu o lugar de Vice-Diretor do Hospital Naval de Salvador, o que fez com que se aproximasse da equipe da Fundação Gonçalo Moniz, então o laboratório de saúde pública do Estado e um produtivo núcleo de pesquisadores na área das Doenças Tropicais, dirigida pelo médico Octávio Mangabeira Filho.

Apaixonou-se pelo tema tendo galgado a cátedra de Doenças Tropicais e Infectuosas da Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA, onde, junto a Rodolfo dos Santos Teixeira, José Santos Carvalho e Ruy Machado da Silva, levou a frente um ressurgimento da “Escola Tropicalista Bahiana” de Wucherer, Patterson & Silva Lima.  Anos depois, já na direção da Fundação Gonçalo Moniz, soube unir o que as duas instituições tinha de melhor para realizar vários trabalhos de pesquisa, inclusive estudos de campo, a exemplo de doença de Chagas, esquistossomose e leishmanioses. Passou a reeditar, em 1966, a Gazeta Médica da Bahia, revista fundada por uma “associação de facultativos”, em 1866, e que tivera sua periodicidade interrompida em 1934. Atualmente reeditada pelo professor Tavares-Neto. É o periódico oficial da Faculdade de Medicina da Bahia (FMB).

Rosa Prata lecionou por 13 anos o “Curso de Medicina Tropical para Médicos”, voltado à atualização de profissionais médicos que atuavam no interior. O curso ganhou reconhecimento internacional e passou a receber médicos de outros estados e países da América Latina e Ásia. Em artigo publicado na Gazeta Médica da Bahia, o professor aposentado da Faculdade de Medicina da Bahia, José Fernando Figueiredo, conta que Rosa Prata atuou em pesquisas realizadas em parceria com instituições internacionais a exemplo da Organização Mundial de Saúde, a Universidade de Cornell (N.Y., USA), London School of Hygiene and Tropical Medicine (Londres, Inglaterra) e o Instituto de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm/Lille, França).

Para muitos pesquisadores vista como causa do declínio da atividade de pesquisas na Faculdade de Medicina da Bahia, a Reforma Universitária nos anos 1960/70, que o pesquisador olhava com grande desconfiança, levou-o a aceitar convite para transferir-se para a Universidade de Brasília, onde implantou sua filosofia de trabalho no Núcleo de Medicina Tropical da UnB, em companhia de alguns colaboradores baianos, como a professora Vanize Macedo, já falecida, que veio a sucedê-lo, após sua aposentadoria compulsória, quando retornou às suas origens, em Uberaba, onde manteve o mesmo ritmo de trabalho, relata o professor Tavares-Neto.

Até o seu falecimento,  continuou como  ativo participante da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (que fundou e chegou a presidir em uma gestão) e da Sociedade Brasileira de Infectologia, através de apresentações em congressos e publicação de artigos em revistas das duas entidades. “Orgulho-me de ter sido seu aluno, assistente, colaborador e sempre amigo e de ter merecido sua indicação ao então Governador Antônio Carlos Magalhães para sucedê-lo na direção da Fundação Gonçalo Moniz, hoje Laboratório Central de Saúde Pública Professor Gonçalo Moniz (Lacen), o médico e pesquisador da história da faculdade, José Fernando Figueiredo.

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*Cláudio Antônio de Freitas Bandeira é jornalista especializado em Jornalismo Cientifico e Tecnológico

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