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Atualizado em 18 DE outubro DE 2018 ás 13:48

Viva ao espírito público!

A noite de abertura do Congresso de Ensino, Pesquisa e Extensão 2018 foi palco de manifestações políticas de repúdio ao fascismo e de manifestações de defesa das instituições públicas geradoras de conhecimento. O evento contou com a participação do professor, sociólogo e jornalista Muniz Sodré

POR L. COSTA*
costa.larissa164@gmail.com

Na última terça-feira, 16, o Teatro Castro Alves cedeu seu palco à abertura do Congresso de Ensino, Pesquisa e Extensão 2018 da Universidade Federal da Bahia (UFBA). O evento foi, do início ao fim, político. As falas dos convidados da noite não somente celebravam as produções universitárias que serão apresentadas nos três dias do evento, mas também expressavam repúdio ao discurso de ódio que cerca o país. O chamado geral não era somente para o evento, mas para lutar pelo ensino público. Quem vai lutar?

Os capoeiristas vão lutar. Em uma quebra de protocolo, o evento contou com a presença de dez capoeiristas, que prestaram suas homenagens ao Mestre Moa do Katende. Entre eles Mestre Duda, presidente do Conselho Gestor de Salvaguarda da Capoeira da Bahia, e Mestra Janja, primeira mulher a fundar uma organização de capoeira. A eles seguiu-se a apresentação da Orquestra Sinfônica da UFBA (OSUFBA), que apresentou um repertório completamente brasileiro, incluindo composições de alunos, selecionadas por editais.

Capoeiristas prestam homenagem ao Mestre Moa do Katendê/ Fonte: L. Costa

Capoeiristas prestam homenagem ao Mestre Moa do Katendê/ Fonte: L. Costa

Os educadores vão lutar. E também chamaram o corpo estudantil para a proteção da universidade. Como declarou o reitor da UFBA, João Carlos Salles, durante a primeira mesa do evento. “Esse congresso é uma nota da UFBA dizendo que aqui é o lugar do debate, é o lugar do combate ao racismo. Agora precisamos até dizer que ela [a universidade] é essencialmente presencial”.

O reitor também frisou que a universidade constitui um espaço que deve ser ocupado pelo povo. A ameaça a esse espaço viria de uma sociedade fechada para o debate, fundamental para a produção do conhecimento. Para o reitor, a principal forma de combater qualquer ameaça ao ensino é se posicionando e repudiando qualquer afronta às liberdades. “Não podemos afetar indiferença, a indiferença nos torna cúmplices da barbárie. Nós devemos recusar a ameaça do fascismo, que nos afeta mas não vai construir conhecimentos”, afirma.

O reitor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Reinaldo Centoducatte, declarou que a atual situação, de crise econômica e social, abriu o caminho para falsos salvadores da pátria. Segundo Centoducatte, o importante é ter disposição para enfrentar as afrontas feitas aos direitos conquistados recentemente. “Acredito que esse momento [o Congresso] também será de reflexão das ações de cada um, individualmente, e todos nós, de forma coletiva. Devemos agir, trabalhar para que não percamos aquilo que conquistamos: a democracia”.

Primeira mesa da noite de abertura/ Fonte: L. Costa

Primeira mesa da noite de abertura/ Fonte: L. Costa

Representando os estudantes, o coordenador geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE), José Neto, também se dispôs a lutar. Relembrando a diversidade das instituições de ensino, que puderam habitar esse espaço através de políticas públicas, José Neto afirmou ser responsabilidade da universidade pensar a permanência desses corpos. “Precisamos assegurar que a universidade não mantenha um perfil hierárquico de sociedade que exclui populações historicamente”. O coordenador do DCE fechou sua fala citando uma frase que tem rodado nas redes sociais. “Se fere minha existência, eu serei resistência”.

“[A universidade] se expandiu e floresceu a partir da luta de muitos e de muitas. Como diria Luiza Bairros, nossos passos realmente vem de longe”, lembra a coordenadora de políticas sociais e antirracistas da  Sindicato dos Trabalhadores Técnico-administrativos em Educação das Universidades Públicas Federais no Estado da Bahia (ASSUFBA), Lucimara Cruz, que sempre esteve na luta. Para ela, o momento vivido é decisivo para nossa sociedade, pois “nunca mais nos olharemos do mesmo jeito”. Nesse cenário, torna-se necessário a união na defesa de uma universidade inclusiva, aberta, pública e de qualidade.

A primeira mesa ainda contou com a presença do reitor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Luiz Pedro Jutuca, o vice-reitor da UFBA, Paulo César Miguez, a reitora emérita da UFBA, Dora Leal, a secretária de Promoção da Igualdade Racial (SEPROMI), Fabya Reis, a secretária de Políticas para as Mulheres (SPM), Julieta Palmeira, o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti), Rodrigo Hita, e a presidenta do Sindicato dos Professores das Instituições Federais de Ensino Superior da Bahia (APUB), Luciene Fernandes, que trouxe o manifesto dos docentes em apoio ao professor Fernando Haddad.

Muniz Sodré falou sobre o papel da produção de conhecimento em nossa sociedade/ Fonte: L. Costa

Muniz Sodré falou sobre o papel da produção de conhecimento em nossa sociedade/ Fonte: L. Costa

E o Muniz Sodré? Vai lutar? – O evento teve convidado o professor honoris causa da UFBA, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sociólogo e jornalista Muniz Sodré, na última apresentação da noite. Muniz recordou a tragédia do incêndio do Museu Nacional para falar sobre a salvaguarda das instituições educadoras do país. Para ele, o Museu não era somente um lugar de exibição, mas expressava também a busca pelo sentido da identidade brasileira, como uma instituição de ensino e pesquisa. Relembrando que o último presidente a visitar o Museu foi Juscelino Kubitschek (JK), Muniz afirmou que o Museu só se tornou interessante para as elites quando ofereceu um espetáculo, o que calhou de ser o incêndio.

A defesa da instituições é, então, a luta pela produção de conhecimento. “A especificidade da universidade, além da porta que abre para as classes economicamente subalternas, é precisamente a conjugação de ensino e pesquisa”, comenta Muniz Sodré. Nesse âmbito, as Ciências Sociais e as Ciências Humanas desempenham papel especial na formação de ideias que compreendem as transformações sociais e também ajudam a produzir novos conceitos. Como bem distingue o professor, torna-se necessário que essas ciências sejam fonte de novos conhecimentos e não meras reproduções de valores.

Assim, a universidade pública, aberta, livre e presencial, como foi bem frisado, é o lugar onde as Ciências Humanas e Sociais florescem. É através da geração de valor social que “a instituição universitária sempre encontrou o centro de gravidade que capacitava essa instituição a exercer a função republicana de contrabalançar a dispersão das especializações profissionais”, afirma Muniz.

Nesse pensamento, como as Ciências Humanas são também fruto das transformações sociais, a universidade não pode passar ao largo das mudanças em que vivemos. É nesse espaço que pode “sobrevir  uma autoconsciência crítica e formativa da presença de novas realidades sociais. Eu não vejo como isso pode interessar às elites que estão unicamente comprometidas com seus ganhos financeiros”, encerrou Muniz, acrescentando ainda que a  questão do ensino e da pesquisa não pode se dissociar da luta em defesa da universidade pública. Ali, de pé no palco do TCA, Muniz Sodré celebrou o espírito público dos universitários que, tal qual a instituição de onde vêm, é fruto de ideias e ainda resiste.

*Estudante do curso de jornalismo da Faculdade de Comunicação e repórter na Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA

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