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Atualizado em 9 DE novembro DE 2011 ás 11:02

Inovação e saúde: como superar o desafio do acesso a novas drogas?

Maioria das drogas inovadoras é muito cara e tem o seu acesso restrito aos países ricos. O Brasil ainda possui uma capacidade muito limitada de produção nacional na área farmacêutica e biofarmacêutica

Érika Aragão*
erikaaragao@uol.com.br

Avanços importantes da ciência na segunda metade do século XX constituíram a base para o desenvolvimento da moderna indústria biotecnológica. A descrição da estrutura do DNA feita por Watson e Crick em 1953, a clonagem dos primeiros genes, em 1973, a expressão de genes clonados em bactérias, em 1974, ampliaram as possibilidades de aplicação das biotecnologias em diferentes campos, sendo a saúde humana um dos mais impactados.

No âmbito da indústria farmacêutica, uma nova trajetória tecnológica foi criada: as empresas, em vez de produzir pequenas moléculas por meios químicos, passaram a modificar grandes moléculas, como proteínas e hormônios, utilizando sistemas biológicos vivos. Esta trajetória tecnológica tem gerado inovações radicais importantes na indústria farmacêutica, conferindo ao segmento taxas maiores de crescimento e rentabilidade, superiores às dos fármacos tradicionais.

A descoberta por César Milstein e Georges Köhle, em 1975, de que era possível gerar proteínas a partir da engenharia genética, denominadas anticorpos monoclonais (MABs), capazes de serem utilizadas pelo sistema imunológico para identificar e neutralizar corpos estranhos (células tumorais, bactérias e vírus), abriu caminho para a investigação de novas possibilidades de diagnóstico e tratamento. Nos anos 80, novas técnicas de engenharia genética possibilitaram a humanização desses anticorpos, mediante a modificação dos genes responsáveis pela produção dessas proteínas, com o objetivo de eliminar a reação imunológica do organismo humano.

Essas descobertas mudaram o rumo da investigação científica sobre o sistema imunológico e abriram caminhos para uma nova abordagem terapêutica. Uma série de medicamentos, criados a partir de rotas biotecnológicas, indicados para o tratamento de doenças infecciosas, imunológicas e neoplásicas, foi desenvolvida (e esses medicamentos tornaram-se líderes de mercado). Os novos produtos de base biotecnológica constituíram-se em um nicho lucrativo da indústria farmacêutica.

O segmento de medicamentos oncológicos (antineoplásicos e terapias hormonais citostáticas) foi um dos mais impactados pela biotecnologia moderna, particularmente com a descoberta dos anticorpos monoclonais. Segundo dados do IMS Health, respondeu por quase 7% do mercado farmacêutico mundial em 2009, de U$ 751 bilhões, e tem crescido a taxas superiores à média da indústria. Dos 10 produtos biológicos líderes em vendas em 2009, cinco eram MABs e quatro destes antineoplásicos.

As estratégias predominantes para a geração de inovações concentram-se nas atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e Marketing. A importância do segmento e dos esforços em P&D é refletida no aumento do número de biofármacos inovadores (Novas Entidades Moleculares) aprovados nos Estados Unidos e Europa. Na década de 1990 foram aprovados menos de 30 produtos nesses mercados. Entre 2000 e 2005 foram 104, sendo 65 somente no último ano. No período de 2006 a 2009, houve uma desaceleração na introdução de novas tecnologias (25 aprovações). Apesar disso, entre os anos de 2000 e 2009 a participação desses produtos nas vendas da indústria farmacêutica dobrou.

No caso dos produtos biotecnológicos, boa parte das inovações radicais foi gerada por empresas dedicadas a esta atividade, muitas das quais cresceram rapidamente, com a introdução de literais blockbusters. No caso de medicamentos contra o câncer, a Genentech, adquirida pela gigante Roche em 2009, é a responsável por líderes de venda desse segmento, como o Avastin, o Mabthera e o Herceptin.

Entre 2004 e 2009, os anticorpos monoclonais passaram a responder por mais de um terço do mercado de biofármacos. O desempenho comercial de MABs contra o câncer como o Avastin, o Mabthera e o Herceptin, desenvolvidos pela Genentech, dentre outros, tem levado grandes corporações farmacêuticas a adquirir e controlar processos tecnológicos e mercados associados relativos a esses produtos.

Os movimentos de aquisições por parte das bigpharmas têm, entre outros objetivos, o intuito de controlar as atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (pipe line), permitir o acesso direto às redes de parcerias, assim como a novos mercados e produtos. Infelizmente, as fusões e aquisições podem implicar a elevação da iniquidade no acesso a essas tecnologias inovadoras.

A América Latina responde apenas por 0,3% da demanda mundial de MABs contra o câncer


A maioria das drogas inovadoras é muito cara, restringindo seu acesso aos países e/ou populações ricas. Com a aquisição da Genentech, líder de vendas de medicamentos contra o câncer, a Roche, sétima maior empresa farmacêutica do mundo, passou a responder por 53% desse mercado. Se os países pobres e em desenvolvimento já têm acesso restrito a essas tecnologias, isso pode aprofundar ainda mais as desigualdades existentes em nível mundial. EUA e Europa respondem por quase 90% das vendas. A América Latina responde apenas por 0,3% da demanda mundial de MABs contra o câncer. Assim, apesar desta ser uma doença de alcance global, falhas de mercado restringem o seu uso a países com índices mais elevados de renda.

O aumento da expectativa de vida nos países mais pobres implicou aumento de doenças crônico-degenerativas, como o câncer, que é responsável pela segunda maior causa de morte no Brasil, depois apenas das doenças cardiovasculares


Deve-se considerar ainda que o aumento da expectativa de vida nos países mais pobres implicou aumento de doenças crônico-degenerativas, como o câncer, que é responsável pela segunda maior causa de morte no Brasil, depois apenas das doenças cardiovasculares. Por sua vez, as doenças infecto-contagiosas e parasitárias ainda persistem, o que significa necessidade de recursos e estratégias capazes de enfrentar esses problemas de saúde. Segundo dados da OMS – Organização Mundial da Saúde, nos anos 1970, menos de 20% dos diagnósticos de câncer vinham de países em desenvolvimento ao passo que, em 2008, quase 60% dos diagnósticos vinham de países de renda baixa e média. Ou seja, não se trata mais de uma doença predominante nas populações dos países desenvolvidos e deve ser enfrentada, por esses países, como tem sido a AIDS, a tuberculose e a malária.

A prevenção é um mecanismo importante e de menor custo, mas deve estar associada à aquisição das tecnologias de tratamento disponíveis. Isto porque, as novas possibilidades para o tratamento geram uma grande pressão para sua incorporação. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem o propósito de ser universal e integral, ou seja, deve atender a toda a população brasileira e todos os tipos de procedimentos desde a prevenção, até a alta complexidade, como o tratamento de câncer. No SUS, a pressão pela incorporação dos MABs contra o câncer tem sido feita mediante ações judiciais, visto que apenas um medicamento contra o câncer é disponibilizado pelo SUS, responsável por cerca de 80% do tratamento da doença no país. E isso apenas desde o ano passado.

Segundo dados da Diretoria de Assistência Farmacêutica, do Ministério da Saúde, em 2008, US$ 2,2 milhões foram gastos pelo governo federal para atender demandas judiciais relativas ao fornecimento de MAB, tendo atingido um patamar de US$ 3,4 milhões em 2010. Isso significou gastos per capita de até 183,3 mil dólares. Num país em que o gasto per capita com saúde foi de R$ 559 (US$ 304,7) em 2008, a obrigação, pela via judicial, do fornecimento de drogas de alto custo pelo Estado tem fortes implicações para a equidade.

Brasil possui uma capacidade muito limitada de produção nacional na área farmacêutica e biofarmacêutica


Nesse sentido, algumas questões devem ser enfrentadas pelo país, que possui uma capacidade muito limitada de produção nacional na área farmacêutica e biofarmacêutica. Na minha opinião, a produção interna é uma questão crucial. O que passa pelo investimento em Pesquisa e Desenvolvimento. Apesar de esforços do Estado em fomentar a produção interna de tecnologias da área farmacêutica na última década, o déficit da balança farmacêutica tem ampliado nos últimos anos, tendo saltado de, aproximadamente, US$ 2 bilhões em 1996 para cerca de US$ 5 bilhões em 2010. Nessa perspectiva, a Bahia deve participar no processo de consolidação dessa indústria. Iniciativas como a recriação da Bahiafarma, a criação do Parque Tecnológico da Bahia, associadas à pesquisa na universidade e institutos de pesquisa, podem garantir ao estado um papel estratégico no fortalecimento da base produtiva nacional.

*Economista e doutora em Saúde Pública.

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