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Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
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Atualizado em 19 DE abril DE 2011 ás 12:40

Os desafios do Jornalismo Cientifico no século XXI

Pesquisas nacionais de percepção pública da ciência mostram que é grande o interesse do brasileiro pela Ciência, mas poucos entendem o que é divulgado e não fazem ligação direta com seu cotidiano, economia ou política nacional

*Simone Bortoliero
bortolie@gmail.com

A Associação Brasileira de Jornalismo Científico-ABJC, entidade que representa há 30 anos os jornalistas brasileiros que escrevem sobre temas de ciência e tecnologia, reconhece os importantes esforços que vêm sendo feitos pelo governo brasileiro desde a II Conferência Nacional de CT&I para a democratização do conhecimento científico e sua inserção no Plano de Ação 2007-2010 do PAC da Ciência de temas relevantes como a Popularização da Ciência e Melhoria no Ensino de Ciências, assim como a criação, em 2004, do Departamento de Popularização e Divulgação da Ciência do MCT&I, que vem realizando a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, além da implantação, no CNPq, de um comitê específico para a Divulgação Científica.

Do ponto de vista regional, verifica-se um avanço a nível local com os esforços da Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado da Bahia – FAPESB, que nos últimos anos tem consolidado sua política de popularização da ciência e da tecnologia no estado, valorizando a pesquisa e as ações para democratizar o acesso ao conhecimento cientifico.

Em 2009, tivemos pela primeira vez um edital na Bahia que investe na formação dos jornalistas de ciência. A formação de pessoal qualificado na área de Divulgação Científica tem reflexo direto na sociedade, por diferentes motivos. Um dos mais relevantes é que a divulgação competente e de forma contextualizada, crítica e analítica sobre os benefícios e os riscos das políticas nacionais e estaduais de C&T, e sobre a produção científica, tecnológica e de inovação é essencial para a formação de uma cultura científica cidadã participativa.

As pesquisas nacionais de percepção pública da ciência mostram que é grande o interesse do brasileiro pela Ciência, mas poucos entendem o que é divulgado e não fazem ligação direta com seu cotidiano, nem com a economia ou política nacional.

A mais recente pesquisa da área realizada pela Fundep/UMFM/ANDI (2007-2008) em universo de 62 jornais brasileiros e análise de 2.599 notícias atesta nossa preocupação com os conteúdos descontextualizados e acríticos da divulgação científica na mídia, ao constatar, que: “apenas 4% dos textos mencionam alguma estratégia de desenvolvimento; 3,8% estabelecem relação entre ciência e o crescimento econômico; 0,2% evidenciam a contribuição da ciência para a erradicação da pobreza; 0,9% estabelecem alguma conexão com a melhoria dos indicadores sociais e que 15,8% dos textos abordam de forma mais ampla a CT&I: repercussão de eventos, políticas públicas específicas e o marco legal da área”.

Portanto, a divulgação da produção científica nacional precisa estar fortemente inserida numa perspectiva crítica, analítica e educativa, na realidade social, local, regional ou nacional, com uma reflexão clara sobre riscos e benefícios do uso social, econômico e político da CT&I. Só assim o cidadão poderá, efetivamente, participar das decisões políticas sobre Ciência, Tecnologia e Inovação.

Marcelo Leite, jornalista da Folha de São Paulo nos coloca a seguinte reflexão: “até que ponto estão de fato enraizado na sociedade e na cultura brasileira as vitórias recentes que os pesquisadores acreditam ter obtido no Congresso Nacional, a respeito da liberação dos alimentos transgênicos e das células-tronco embrionárias, com a aprovação da nova Lei de Biossegurança”.

No campo midiático, o Brasil tem centenas de rádios AM e FM e retransmissoras de TV concentradas nas mãos de deputados, senadores, organizações religiosas, particularmente evangélicas e católicas. Aborto, uso de preservativos para a prevenção da AIDS e até mesmo explicações sobre a origem do universo ou a teoria da evolução surgem como um terreno de conflitos no jornalismo científico.

O espírito crítico, que postulamos para o jornalismo científico na Bahia, por meio da experimentação de uma Agencia de Noticias em CT&I para o Estado, envolve questões complexas e de muitas divergências sejam elas cientificas, políticas, comerciais ou religiosas.

Dessa forma, falar de Ciência implica, necessariamente, uma reflexão entre Ciência e Poder.

A agenda midiática sobre política internacional vem enfocando as mudanças climáticas, os problemas éticos e legais suscitados pelas biotecnologias (células-tronco, decifração do genoma, reprodução assistida, clonagem, alimentos transgênicos), destino da energia nuclear e energias alternativas, escassez de água, além da preservação da biodiversidade. A complexidade destes temas exige uma formação qualificada dos divulgadores da ciência e dos jornalistas de ciência.

Ainda, segundo Marcelo Leite, em 1998, os alimentos transgênicos chegavam à mesa de todos, quando a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou a soja Randap Ready, resistente ao herbicida Randap (ambos da empresa Monsanto), para plantio em escala comercial. Ficamos então sabendo que a comissão já havia dado dezenas, centenas de licenças para cultivo experimental. O que deixamos de dizer é que o modelo tecnológico adotado envolvia a idéia de menor risco e menor risco recebeu os maiores investimentos financeiros. Menor risco não significa risco nenhum. O que deixamos de dizer é que os transgênicos envolviam um modelo de economia que excluía as questões sócio-ambientais.

É direito do baiano como cidadão tomar parte em discussões como esta. Seria antes o caso de dizer que esse estado de coisas cria uma obrigação para todos os atores do processo, a começar pelos jornalistas: fornecer informação compreensível, qualificada e contextualizada, da engenharia genética à transgenia, da genômica à eugenia.

Obrigação também para os pesquisadores de tornar acessível às informações sobre os processos e produtos científicos e sobre seus financiadores.

A ciência e a tecnologia, no mundo moderno, constituem-se em mercadorias, produzidas e apropriadas pelos grandes interesses, e as fontes, sejam elas pesquisadores, cientistas ou técnicos, podem estar absolutamente contaminadas por vínculos de toda ordem.

Seria ingenuidade imaginar que, ao se debater temas como instalação de uma usina nuclear no Rio São Francisco, transposição do Rio São Francisco, emissário submarino, licenciamento ambiental, projeto espacial brasileiro, reforma agrária ou mesmo a legitimidade da teoria da evolução, estivéssemos sempre diante de fontes absolutamente isentas.

Os cientistas, os pesquisadores defendem posições, submetem-se a patrocínios, mantêm relações de afinidade com partidos políticos, correntes ideológicas etc.

A Cultura Cientifica envolve desde os que produzem ciência e tecnologia (como as universidades), as instituições que financiam a pesquisa através de políticas públicas, os próprios pesquisadores e seus sistemas de comunicação , os sistemas de ensino médio e fundamental, o conjuntos dos professores de ciências, todos os espaços reservados para divulgação cientifica como oceanários, museus, orquidários, reservas ambientais, planetários até os espaços de C&T nos veículos de comunicação.

No século XXI, do ponto de vista da informação científica, estamos diante da necessidade de pensarmos sobre uma ética e uma crítica aos atuais modelos de informação que nos impõe o uso de tecnologias sem justiça social e a uma divulgação cientifica sem nenhum compromisso com o desenvolvimento sustentável, humano e social nas regiões brasileiras.

Como podemos tornar a informação cientifica acessível, quais os critérios para a divulgação, como corrigir nossas deficiências diante de um quadro de analfabetismo científico. Quais os temas de CT&I que mais interessam a população. Serão as drogas, doenças negligenciadas, do coração, doenças provocadas pelo trânsito caótico de nossas cidades, saúde mental, aquecimento global, células tronco, derretimento das calotas polares, buraco negro, física quântica, poluição dos oceanos, desmatamento, dengue , meningite, ou seria a extinção da fauna e flora.

Será que nossas opções no jornalismo cientifico não deveriam estar centradas na escolha de informações que contribuam com a melhoria da qualidade de vida? (pensemos nas enchentes em SP,RJ,BA). Nesse caso, não seria importante prevenir os deslizamentos discutindo tecnologias e inovações nesse campo?

A sensibilização para a divulgação científica vem sendo feita nas universidades do nordeste de forma lenta. Por várias razões, ausência de uma política de comunicação nas instituições que dê visibilidade a produção cientifica de seus pesquisadores, lembrando que as pesquisas são pagas com o dinheiro do contribuinte. Falta entendimento dos pesquisadores de que a divulgação cientifica é tão importante como a publicação de um artigo ou livro e que desta forma além de prestar contas do dinheiro público poderá, de forma efetiva, contribuir com a democratização do conhecimento e ampliar as possibilidades de participação do cidadão nas decisões políticas de C&T no país e no estado.

Por isso temos um curso de especialização em Jornalismo Científico e Tecnológico na Ufba com demais parceiros, que irá de forma eficaz contribuir com a democratização do conhecimento cientifico, tecnológico e de inovação ao viabilizar a produção da “Ciência e Cultura” – uma Agência de Noticias em CT&I do estado da Bahia.

Por isso defende-se que a ciência é um fenômeno cultural e está intimamente ligada às outras manifestações culturais. O contexto social, histórico, econômico e cultural da pesquisa cientifica baiana é dever de todo bom jornalista preocupado com a cidadania e com o interesse público.

O sucesso da divulgação cientifica está diretamente relacionada ao sucesso da educação cientifica de nossas crianças e jovens. No interior da Bahia, não podemos aceitar que um comerciante dê aulas de química, física, biologia, matemática, português, historia ou geografia. Levaremos em consideração os estudos sobre percepção pública da ciência verificando níveis de alfabetização cientifica. A tarefa não é fácil, mas é de jornalistas e cientistas, professores e pesquisadores

A responsabilidade das mídias ao divulgarem a pesquisa cientifica, deveria ser de que o discurso do cientista é uma representação de suas formas de observação e que a verdade da ciência é provisória.

Apesar de todas essas reflexões que soam como críticas necessárias, quero afirmar que nada é pior do que o atraso científico e tecnológico, fruto da ausência de políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação. Nada é pior que a falta de informação e de acesso a educação que leva a incapacidade de poder opinar ou decidir.

Gostaríamos que “Ciência e Cultura” – a nova Agência de Noticias em CT&I da Bahia fosse à inspiração para todos os alunos e alunas, ou seja, futuros jornalistas dessa área, na produção de projetos inovadores, além de oferecer informação qualificada para a mídia local, regional e nacional. Descomplicar a ciência na Bahia é nosso objetivo principal, além de divulgar a produção acadêmica de nossos pesquisadores no Estado favorecendo a democratização do conhecimento.

*Coordenadora do Curso de Especialização em Jornalismo Cientifico e Tecnológico, professora da Facom-Ufba e Vice-Presidente da ABJC (2009-2011)

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